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A BELA DA TARDE

A BELA DA TARDE (Belle de jour, 1967, Robert et Raymond Hakim Productions, 100min) Direção: Luis Buñuel. Roteiro: Luis Buñuel, Jean-Claude Carrière, romance de Joseph Kessel. Fotografia: Sacha Vierny. Montagem: Louisette Houtecoeur. Figurino: Hélène Noury. Direção de arte/cenários: Robert Clavel. Produção: Raymond Hakim, Robert Hakim. Elenco: Catherine Deneuve, Jean Sorel, Michel Piccoli, Geneviève Page, Pierre Clementi, Françoise Fabian. Estreia: 24/5/67
 
Não é difícil entender o fascínio que "A bela da tarde" vem despertando nos cinéfilos do mundo inteiro desde sua estreia, em 1967. Além de contar com a beleza estonteante de Catherine Deneuve - no auge da carreira - e ser dirigido pelo prestigiado Luis Buñuel, mestre do surrealismo no cinema, o filme, que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, ficou décadas longe dos olhos do público, devido a problemas de direitos autorais e, até 1995, através de uma campanha liderada por Martin Scorsese, manteve inalterada sua aura de filme cult. Quando voltou a seu lugar de direito - os braços da plateia e o coração dos críticos - ganhou uma nova geração de fãs e reabriu discussões a respeito de seus simbolismos e questionamentos. Maior sucesso comercial da carreira de Buñuel e admirado até mesmo por Alfred Hitchcock - o que não é nenhuma surpresa, haja visto o histórico do cineasta inglês a respeito de louras sensuais -, "A bela da tarde" é, também, o mais acessível dos trabalhos do diretor espanhol: mesmo que faça uso de elementos narrativos pouco convencionais em alguns momentos, é uma produção muito menos complexa do que, por exemplo, "O anjo exterminador" ou "Esse obscuro objeto do desejo" (77), dois dos mais ambíguos de seus filmes - e, sintomaticamente, dois de seus maiores êxitos profissionais.

Polêmico e sensual, "A bela da tarde" é, também, um presente para estudantes de psicologia, que vem, desde seu lançamento, se prestando a longos debates a respeito de suas metáforas visuais e sonoras - além da riqueza de seus personagens, desde a protagonista até os coadjuvantes mais efêmeros na trama. Construído alternando uma atmosfera de sonho com uma realidade crua, o roteiro de Buñuel e Carrière segue uma estrutura convencional, mas que abre espaço para digressões psicanalíticas e/ou sexuais que casavam com perfeição com o momento histórico e social pelo qual passava o mundo (e mais precisamente a Europa) no final dos anos 60. Retratando a hipocrisia da alta sociedade e questionando o papel da mulher como puro objeto, o filme subverte as expectativas e apresenta uma heroína que vai contra os ideais femininos mais clássicos. Séverine (interpretada por uma Catherine Deneuve no limite entre a castidade e o furor) pode até parecer como a mais devotada e compreensiva esposa, mas por dentro é um vulcão de desejos secretos, os quais exorciza primeiro em forma de sonhos eróticos pouco banais, e depois através de uma atitude radical: a prostituição de luxo. O que pode parecer apenas a realização de voyeurismo barato, porém, torna-se material rico de possibilidades nas mãos inteligentes e iconoclastas de Buñuel.


Fotografado com requinte pelo experiente Sacha Vierny, "A bela da tarde" já mostra a que veio na primeira sequência, em que um idílico momento entre um atraente e jovem casal dá lugar a uma situação de violência e submissão sexual. Logo se descobre que o acontecimento é apenas parte dos sonhos de Séverine, que vive uma relação tranquila e asséptica com o marido, Pierre (Jean Sorel). Os dois chegam a dormir em camas separadas, e seu casamento é o retrato do tédio amoroso - o que não reflete os constantes desejos da esposa, recheados de fetiches pouco triviais. A solução que ela encontra para dar vazão a tais sentimentos sem que precise acabar com seu relacionamento surge na figura de Madame Anais (Geneviève Page), a dona de uma casa de alta prostituição, que a recebe de braços abertos. Linda, sexy e exalando classe, Séverine recebe a alcunha de A Bela da Tarde - ela necessariamente precisa deixar o trabalho às cinco da tarde para voltar à vida normal. Nos períodos em que passa na casa de Madame Anais, Séverine entra em contato com clientes com os mais variados tipos de fantasia - até que encontra Marcel (Pierre Clementi), um marginal do submundo que se torna obcecado por ela e ameaça quebrar a harmonia entre as aparências e a realidade.

Com simbolismos facilmente decodificáveis até para o menos experiente dos espectadores, Luis Buñuel conduz a trajetória de Séverine como uma espécie de coleção de anedotas a respeito de seus clientes - todos levemente bizarros e ao menos um francamente assustador - e suas aspirações sensuais. Apesar da beleza de Deneuve, o filme não se permite em ser um inventário de taras e cenas de sexo gratuitas, muito pelo contrário: a atriz só aparece nua em uma cena (envolta em um véu preto) e o erotismo é apenas sugerido, nunca explícito. Através de sons e imagens cuidadosamente escolhidas, o cineasta convida a plateia a penetrar em um mundo tanto excitante quanto sombrio - mesmo que o filme jamais pese a mão na violência e no estudo da psique humana. Ao optar por apenas contar uma história e apresentar seus personagens, sem julgá-los ou forçar uma compreensão óbvia, "A bela da tarde" consegue ser, ao mesmo tempo, um belo e elegante drama sobre sexo e uma obra de arte que atravessou gerações e continua, ainda hoje, atual e visualmente atraente. Seu final, em aberto, apenas confirma tudo que foi mostrado antes: uma obra inteligente e perspicaz, mas nem por isso vazia e superficial. Um belo e indispensável filme - uma porta de entrada para a curiosa filmografia de seu irrequieto diretor.

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