quinta-feira

SEM DATA, SEM ASSINATURA

SEM DATA, SEM ASSINATURA (No date, no sign, 2017, Mehr Taha Studio/Noori Pictures, 104min) Direção: Vahid Jalilvand. Roteiro: Vahid Jalilvand, Ali Zarnegar. Fotografia: Morteza Poursamadi, Payman Shadmanfar. Montagem: Vahid Jalilvand, Sepehr Vakili. Música: Peyman Yazdanian. Figurino: Dalileh Soufiani. Direção de arte: Mohammadreza Malekan. Produção: Ehsan Alikhani, Ali Jalilvand. Elenco: Amir Aghaee, Zakieh Behbahani, Navid Mohammadzadeh, Hedyeh Tehrani. Estreia: 01/02/17 (Festival de Fajr)

Nada como o novo cinema iraniano para proporcionar ao espectador um alívio diante das tramas tão previsíveis e maniqueístas de Hollywood! "Sem data, sem assinatura" foi o representante do país na tentativa por uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019, e sua ausência na lista dos finalistas diz muito mais sobre a excelência da seleção (vencida pelo mexicano "Roma", de Alfonso Cuarón) do que a qualidade do segundo trabalho de Vahid Jalilvand. Assim como seu compatriota Ashgar Farhadi, o roteirista e cineasta Jalilvand consegue a façanha de contar uma história muito particular mas que é facilmente identificável em qualquer lugar do mundo. Mesmo sem abrir mão das características de sua cultura, a inteligência e a profundidade das questões éticas levantadas pelo roteiro tornam o filme universal - e dolorosamente realista. Ao contrapor dois universos distintos que se chocam diante de uma tragédia, "Sem data, sem assinatura" resgata o prazer do espectador em sentir-se parte do processo de mergulhar em uma trama sem saber exatamente para onde será conduzido.

Kaveh Nariman (Amir Aghaee) é o protagonista do filme. Médico legista que vive dedicado ao trabalho e ao pai inválido, Nariman se pauta pela ética e pela correção - frequentemente batendo de frente com colegas menos rígidos. Uma noite, seu carro esbarra em uma moto pilotada pelo operário Moosa (Navid Mohammadzadeh) e causa um acidente com a família do rapaz, formada pela esposa e dois filhos, um deles bebê de colo. Com o seguro do carro atrasado, Nariman evita chamar a polícia, mas insiste em levar o filho mais velho de Moosa ao hospital - uma missão que se mostra infrutífera, já que o motociclista prefere voltar para casa sem nenhum tipo de atendimento. No dia seguinte, o médico chega ao IML e recebe a notícia de que o menino morreu depois de chegar ao hospital com náuseas violentas. A autópsia acusa botulismo como causa da morte, mas Nariman, consumido pela dúvida da culpa, questiona o resultado - principalmente depois que Moosa é preso, por ter causado a morte do colega de trabalho que lhe havia vendido carne estragada, e que o relatório dos exames do garoto mostram um inchaço em sua cabeça. Nariman sabe que, mesmo que a morte da criança tenha sido causada pela doença, ele tem sua parcela de culpa (talvez um exame no dia do acidente tivesse diagnosticado o botulismo) - e precisa lidar com a maior questão de sua vida: assumir ou não a responsabilidade pela desgraça de uma família inteira?


A câmera de Jalilvand é discreta, nada intrusiva - mas, paradoxalmente, consegue penetrar nos pensamentos mais íntimos de seus personagens, lhes dotando de nuances que, em uma primeira visão, não existiam. Como é normal no cinema iraniano, nenhum personagem é unidimensional ou simples, ninguém é simplesmente culpado ou inocente, nenhuma certeza é absoluta. A agonia de Nariman se torna também a angústia do público, que assiste impotente o desenrolar trágico de uma história cujo ponto de partida prosaico e banal acarreta consequências inimagináveis a todos os envolvidos. Boa parte do sucesso nesse quesito se deve aos expressivos atores escalados pelo diretor. Amir Aghaee transmite a tortura psicológica de seu personagem através dos olhos, sem precisar falar para expressar o turbilhão de sentimentos que lhe assola a consciência. Navid Mohammadzadeh, por sua vez, é um poço de fúria e desespero que vai se avolumando a cada cena, até explodir em um ato de violência que enterra de vez seu futuro - não à toa, foi premiado no Festival de Veneza (e em outros menos conhecidos). Vahid Jalilvand também não passou em branco na mostra italiana e saiu com um prêmio de melhor diretor - láurea que também ganhou em Hamburgo, Estocolmo e Chicago. Confirmação maior da universalidade de seu trabalho é impossível.

Intenso em sua trama, em seus diálogos, em suas atuações e nas questões que levanta sem maniqueísmos, "Sem data, sem assinatura" é um dos melhores filmes dos últimos anos. Dono de uma aparente simplicidade - que se desdobra em camadas muito mais potentes do se poderia julgar a princípio - e narrado de forma clássica, é um filme que tem plena confiança em seu roteiro e na força de sua história e personagens. Ousado até mesmo em seu final aberto (ou não), é uma obra-prima, mais uma de uma filmografia que vem se demonstrando uma das mais constantes e inteligentes do século XXI. Para ver, refletir, ver de novo e admirar sempre. Bravo!

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