AMAR É SOFRER (The country girl, 1954, Paramount Pictures, 104min) Direção: George Seaton. Roteiro: George Seaton, peça teatral de Clifford Odets. Fotografia: John F. Warren. Montagem: Ellsworth Hoagland. Música: Victor Young. Figurino: Edith Head. Direção de arte/cenários: Roland Anderson, Hal Pereira/Sam Comer, Grace Gregory. Produção: William Perlberg. Elenco: Bing Crosby, Grace Kelly, William Holden, Anthony Ross, Gene Reynolds. Estreia: 15/12/54
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (George Seaton), Ator (Bing Crosby), Atriz (Grace Kelly), Roteiro, Fotografia (Preto-e-branco), Direção de Arte/Cenários (Preto-e-branco)
Vencedor de 2 Oscar: Atriz (Grace Kelly), Roteiro
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Grace Kelly)
Quando recebeu a proposta de protagonizar a adaptação da peça teatral "The country girl", de Clifford Odets, lançada nos palcos em 1950, Bing Crosby alegou dois motivos para sua recusa. Primeiro ele se considerava velho demais para o papel (no que tinha relativa razão). Depois, ele hesitava em dividir a cena com uma atriz a quem considerava pouco talentosa, Grace Kelly (o tempo e a história acabaram por mostrar a ironia da afirmação). Convencido posteriormente a aceitar o trabalho, ele não pode reclamar de absolutamente nada: não apenas recebeu um indicação ao Oscar de melhor ator por seu desempenho, como se apaixonou pela colega de elenco a ponto de pedí-la em casamento. Foi recusado - segundo dizem, na época a estrela estava envolvida também com William Holden, Clark Gable e David Niven -, mas surpreendeu-se com sua dedicação à carreira e voltou a contracenar com ela no musical "Alta sociedade" (56), seu último filme antes de tornar-se Princesa de Mônaco. Uma das produçõess mais premiadas de 1952, "Amar é sofrer", de George Seaton, concorreu a sete Oscar - incluindo melhor filme, diretor e roteiro - e pegou todo mundo de surpresa quando deu à Grace a estatueta de melhor atriz, batendo a então favorita Judy Garland, por "Nasce uma estrela". O choque só não foi ainda maior porque a bela musa de Alfred Hitchcock realmente apresentou um trabalho primoroso - também reconhecido com um Golden Globe e prêmios da National Board of Review e dos críticos de Nova York, duas respeitadíssimas instituições norte-americanas.
Desprovida do glamour que a acompanhava frequentemente e lhe rendeu a fama de uma das mulheres mais elegantes do mundo - e o amor do Príncipe Rainier -, Grace Kelly mostra, em "Amar é sofrer" uma faceta inédita de seu talento. Nada mais da mulher sensual e fútil, da herdeira sofisticada ou da mocinha indefesa, vítima das circunstâncias. No filme de Seaton - um cineasta bem cotado entre os críticos americanos, mas que não obteve nenhum outro sucesso parecido na carreira - ela dá vida a uma personagem sofrida, triste, amargurada e aparentemente cruel, com uma carga dramática de que somente as grandes atrizes conseguem transmitir. Assumindo o lugar de Jennifer Jones - a escolha inicial dos produtores, que deixou o filme por estar grávida -, Kelly enterra sem piedade a persona idolatrada pelas revistas de moda e faz nascer uma atriz repleta de nuances, capaz de roubar a cena tanto de Crosby (um dos mais populares astros de sua geração) quanto de William Holden. Mesmo que auxiliada pela caracterização física (a lendária figurinista Edith Head lamentou ter em mãos uma dama como Kelly e ter que deixá-la feia), é sua garra em provar-se uma artista de verdade o que mais chama a atenção em sua performance, que prova que a indicação ao Oscar de coadjuvante um ano antes, por "Mogambo" não havia sido um acidente de percurso.
Na verdade, apesar de interpretar a garota do título original, Kelly não é exatamente a protagonista do filme. O primeiro nome nos créditos é o de Bing Crosby, cuja escalação para o papel de um alcóolico desagradou profundamente suas fãs católicas, que inundaram a Paramount com correspondência reclamando da escolha. Ele vive Frank Elgin, um antigo astro da música e dos palcos que tem a grande chance de voltar aos holofotes depois de um período amargando o ostracismo devido ao problema com álcool. Convidado pelo diretor Bernie Dodd (William Holden), ele enfrenta as dúvidas dos produtores de um musical e, contra todas as suas inseguranças, aceita o desafio. O problema maior de Dodd, no entanto, surge na figura de Georgie (Kelly), a esposa do artista, que parece exercer um domínio acima do normal sobre o marido, a quem ampara (ou mantém vivo) desde a morte trágica do filho pequeno. Aos poucos, Dodd começa a perceber que sua primeira percepção sobre o casal não é digna de confiança - e Georgie passa a se revelar mais admirável do que condenável.
Alterando o texto da peça original para poder incluir números musicais e assim explorar os múltiplos talentos de Bing Crosby, o roteiro de "Amar é sofrer" apresenta uma narrativa clássica, sem epsaço para experimentalismos. Seguindo uma estrutura de melodrama e apostando na força da trama e de seu elenco, George Seaton busca uma aproximação mais direta com a plateia, sem medo de soar excessivamente lacrimoso. Enquanto analisa a complexa relação entre seus protagonistas, aproveita para retratar os bastidores do teatro - mas sem a acidez de "A malvada" (50), por exemplo - e as consequências do alcoolismo - mas sem a profundidade de "Farrapo humano", que deu o Oscar de melhor ator a Ray Milland em 1945. A opção em centrar o foco do terceiro ato no triângulo amoroso que acaba se formando é acertada, por enfatizar as diferenças entre os pretendentes ao coração de Georgie - e o final é coerente, ainda que pareça um tanto apressado em relação ao andamento até então tranquilo do filme. Válido principalmente pelo trabalho excelente de seu elenco, "Amar é sofrer" é um autêntico clássico e a incontestável prova de que, além de deslumbrante, Grace Kelly era uma estupenda atriz.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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