5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Darren Aronofsky), Atriz (Natalie Portman), Fotografia, Montagem
Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Natalie Portman)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Natalie Portman)
A referência óbvia é o balé “O
lago dos cisnes”, de Tchaikovsky, que serve de pano de fundo para a trama
central e seus desdobramentos dramáticos. Porém, o cineasta Darren Aronofsky
não é exatamente um artista partidário do óbvio e, misturando elementos de
literatura – “O duplo”, de Dostoievsky – e do próprio cinema – mais exatamente
o claustrofóbico “Repulsa ao sexo”, de Roman Polanski e o clássico “Sapatinhos
vermelhos”, de Preston Sturgess – ele construiu um dos mais sufocantes e
angustiantes filmes de terror da história... e que nem mesmo é um filme de
terror. Disfarçado de drama psicológico e envernizado com a aura de
sofisticação inerente a filmes sobre uma arte tão nobre quanto a dança, “Cisne
negro” surpreende o público com um estudo impiedoso sobre a busca pela
perfeição, a repressão sexual e a entrega incondicional à arte sobrepondo-se à
vida. Contando com uma atuação avassaladora de Natalie Portman – merecidamente
premiada com o Oscar de melhor atriz – e um clima opressivo que vai se tornando
mais e mais desconfortável conforme a trama avança, “Cisne negro” já nasceu com
o status de clássico moderno.
Diametralmente oposto ao cartesianismo de seu filme anterior – o drama
“O lutador”, que deu a Mickey Rourke e Marisa Tomei indicações ao Oscar –
Aronofsky não hesita em fazer de “Cisne negro” uma obra recheada de símbolos e
imagens que brincam com o surrealismo, sugerindo em cada sequência uma série de
ideias que dialogam com precisão com seu principal tema: a dualidade da alma
humana. Como uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde – personagens do famoso livro
de Robert Louis Stevenson – a protagonista do filme vê travar-se, dentro de sua
mente, uma batalha impiedosa por sua sanidade psicológica, uma luta inclemente
que não poupa vítimas e se desvia frequentemente para os recônditos mais
obscuros do inconsciente. Mas, como cineasta formado em Hollywood, Aronofsky –
que também deixou crítica e público de queixo caído com a falta de piedade que
demonstrou com seus personagens no inesquecível “Réquiem para um sonho” – não
criou um tratado psiquiátrico ou uma obra hermética e/ou pedante. Antes de mais
nada – antes até mesmo das várias leituras psicológicas que a narrativa permite
ao espectador – “Cisne negro” é um filme. Um grande filme. Contado com maestria
e com a energia de um cineasta ainda jovem e munido de um arsenal de ideias que
faz de cada cena um espetáculo à parte para os fãs de cinema.
A trama, a princípio, é simples e quase dèja vu. O diretor de uma companhia de balé, Thomas Leroy (Vincent
Cassel, excelente) resolve aposentar a estrela do grupo, Beth (a sumida Winona
Ryder) e escalar uma nova bailarina para protagonizar sua versão moderna do
aclamado “O lago dos cisnes”. A jovem e dedicada Nina Sayer (Natalie Portman em
papel que herdou de Rachel Weisz e Jennifer Connelly) vê, com isso, a melhor
chance de sua carreira. Sua obsessão com a perfeição, porém, não é o bastante
para Thomas, que diz a ela, sem rodeios, que lhe falta a ousadia necessária
para que possa interpretar o lado obscuro da protagonista da história, o tal
Cisne Negro que, no enredo do balé, rouba o príncipe pelo qual sua irmã gêmea e
romântica é apaixonada. Desafiada pelo diretor a buscar dentro de si esse lado
desconhecido de sua personalidade, Nina – que dorme em um quarto cor-de-rosa
decorado com ursinhos de pelúcia e que deixa que sua mãe, a bailarina
aposentada (Barbara Hershey) cuide dela como se fosse uma criança – passa a
espelhar-se no comportamento livre e descontraído de uma colega, a bela Lily
(Mila Kunis). Não demora para que inicie uma jornada perigosa e sem retorno
para os desvãos de seus desejos mais recalcados.
Decorando
todos os cenários com espelhos que refletem a dualidade de seu jogo de
aparências, o cineasta conta com a ajuda da fotografia quase expressionista de
Matthew Libatique, que acompanha cada detalhe da jornada de Nina rumo à loucura
como uma testemunha onipresente e onisciente, embaralhando diante do espectador
as cartas de um roteiro que não tem medo de explorar todas as nuances de sua
história, seja no nível físico quanto mental. As metáforas visuais criadas por
Aronofsky – conforme Nina vai perdendo seus pudores e deixando de lado as
convenções que lhe aprisionavam o público vai percebendo uma transformação
física que chega ao ápice no arrepiante clímax do filme – são cortesia de
efeitos visuais discretos mas extremamente eficientes, que substituem a
grandiosidade pelo minimalismo e que não chamam a atenção mais do que a
história em si. E é difícil não deixar-se envolver com o clima de crescente
tensão que antecede o desfecho embalado pela consagrada música de Tchaikovsky
utilizada durante toda a narrativa – uma cena tão brilhante que deixam mais do
que óbvias as razões pelas quais Portman levou seu Oscar.
Transformando-se radicalmente da moça tímida e quase infantil das
primeiras cenas em um furacão de sensualidade e fúria nos momentos finais,
Portman – que estreou no cinema já causando furor com a vingativa ninfeta que
interpretou em “O profissional”, de 1994 – transforma o pesadelo em forma de
filme criado por Aronofsky em uma experiência única. Sem medo de entregar-se de
corpo e alma a uma personagem de extrema complexidade física e psicológica, ela
deita e rola na brincadeira quase metalinguística do diretor (afinal a trama do
balé de certa forma reflete-se na trajetória da bailarina), dando uma dimensão
trágica e poética a uma obra que, em mãos menos habilidosas, poderia virar
facilmente mais um filme de terror com pretensões intelectuais jamais
atingidas. Equilibrando-se com sensibilidade entre um paralisante drama
psicológico e um brilhante filme de suspense, “Cisne negro” é uma obra-prima
indiscutível. E pensar que perdeu o Oscar para aquele soporífero brega e
previsível chamado “O discurso do rei”...
Nenhum comentário:
Postar um comentário