INCÊNDIOS (Incendies, 2010, TS Productions, 139min) Direção: Denis Villeneuve. Roteiro: Denis Villeneuve, peça teatral de Wadji Mouawad. Fotografia: André Turpin. Montagem: Monique Dartonne. Música: Grégoire Hetzel. Figurino: Sophie Lefebvre. Direção de arte/cenários: André-Line Beauparlant/Rana Aboot, Marie-Soleil Dénomme, Amin Charif El Masri, Philippe Lord. Produção: Luc Déry, Kim McCraw. Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Remy Girard. Estreia: 04/9/10 (Festival de Cinema de Namur)
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Indicado ao Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro, o canadense
"Incêndios" é provavelmente um dos mais impactantes dramas europeus
lançados nos últimos anos. Narrado com a força de uma tragédia grega
(dando ao destino o poder das maiores ironias), o longa do cineasta
Denis Villeneuve - também autor do roteiro, adaptado da peça teatral de
Wajdi Mouawad montada no Brasil com Marieta Severo no papel central - consegue ser, ao mesmo tempo, emocionante,
surpreendente e, mais do que tudo, chocante como poucos filmes de nossa
época tão dada ao cinismo. Ao misturar em uma única história elementos
políticos inquietantes e um drama familiar poderoso, a trama de
Mouawad não tem medo de avançar em temas ousados e um desfecho
aterrador que dificilmente seria visto em um filme do mainstream
hollywoodiano.
A protagonista de "Incêndios" é Nawal Marwan - em uma atuação visceral
da belga Lubna Azabal. Quando o filme começa, no Canadá, ela está morta,
mas é seu último desejo, deixado em testamento e testemunhado por seu
chefe e amigo Jean Lebel (Rémy Girard) que dá a partida na trama.
Discreta e introvertida, Nawal surpreende seu casal de filhos gêmeos com
um pedido incomum: eles tem que localizar seu irmão mais velho e seu
pai (que julgavam morto) e entregar a eles dois envelopes lacrados.
Enquanto Simon (Maxim Gaudette) considera tudo um delírio da mãe, Jeanne
(Mélissa Désourmeax-Poulin) resolve acatar a última ordem da mãe,
partindo então para o Oriente Médio, onde ela foi criada. As coisas,
porém, não serão fáceis: como Jeanne acaba descobrindo, o nome de sua
mãe não é exatamente bem-quisto e a história de sua família tem origens
muito mais complexas e tristes do que ela ou seu irmão poderiam supor.
A adaptação do diretor também é digna de elogios. O roteiro mantém os momentos de impacto da peça teatral, expandindo-os de maneira a tornar quase impossível ao espectador imaginar o que estava realmente no palco e o que foi criado para o filme. Além de fazer alterações necessárias - a maneira como Marwal descobre o paradeiro de seu primeiro filho, por exemplo, é bem mais forte no filme do que na peça - Villeneuve dá à sua protagonista mais presença em cena. No texto de Mouawad, as lembranças que trazem a personagem ao centro da trama são bem mais vividas por Jeanne, sua filha, do que por ela mesma. Na versão cinematográfica a condução da trama fica nas mãos mais que competentes de Lubna Azanal, capaz de transformações físicas impressionantes e uma variedade de nuances de interpretação invejável.
Utilizando de maneira inteligente o batido recurso do flashback,
"Incêndios" tem em sua narrativa seca e quase documental seu maior
trunfo. Fugindo do sentimentalismo barato, Villeneuve confia em sua
história o suficiente para deixar que ela, forte por si só, seja o
centro da atenção, sem apelar para artifícios que desviem o foco do
mistério que vai se desvendando aos poucos diante dos olhos incrédulos
do espectador, testemunha de uma saga de violência física e psicológica
capaz de deixar rastros indeléveis no corpo e na alma. Seu final,
devastador, parece dizer que a guerra, ainda que mutile os seres humanos
de todas as maneiras possíveis, não é capaz de apagar um espírito. É
uma afirmação que poucos filmes conseguem fazer sem soar piegas!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
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