Se existe um gênero cinematográfico dentro da indústria
americana que é incapaz de sobreviver sem regras impostas e consagradas por
vários sucessos de bilheteria, esse gênero é a comédia romântica. Enquanto
houver público para histórias de amor recheadas de piadas ingênuas e heroínas
sonhadoras, Hollywood continuará lançando, várias vezes sem muito critério,
tramas que seguem o tradicional esquema “moça encontra rapaz, se apaixona por
ele e precisa ultrapassar diversos obstáculos para realizar seu sonho de subir
ao altar” não cessarão de chegar às telas – com resultados os mais diversos.
Volta e meia acrescentando ingredientes modernos à receita – como forma de
mostrar que apesar da evolução social as pessoas continuam as mesmas há séculos
– as comédias românticas que fizeram a glória de atrizes como Doris Day, Meg
Ryan e Sandra Bullock (antes que esta acreditasse que pode ser uma atriz
dramática convincente e levasse parte da Academia em seus devaneios) começaram
o novo milênio discutindo temas como feminismo e igualdade de gêneros, sem
nunca abandonar seu DNA temático. É isso que acontece, por exemplo, com “Juntos
pelo acaso”, estrelado por uma das mais frequentes estrelas do cinema
neo-romântico dos últimos anos, a insossa Kathryn Heigl.
Famosa por
seu trabalho na série de TV “Grey’s Anatomy” – onde vive, para nenhuma
surpresa, uma residente mais preocupada com a vida sentimental do que com os
pacientes – Heigl aos poucos tornou-se a queridinha dos órfãos de Ryan e
Bullock. Com filmes como “Vestida para casar” e “A verdade nua e crua”, Heigl
assumiu uma lacuna que a fez rapidamente firmar-se no cinema, mesmo que
fazendo, rigorosamente, o mesmo papel em todos os seus filmes. Em “Juntos pelo
acaso”, ela não sai de sua zona de conforto, unindo-se ao charmoso e
carismático Josh Duhamel (o sr. Fergie) e a um fotogênico bebê para contar mais
uma história de amor que, a despeito de não acrescentar nada de relevante a seu
currículo, tem a vantagem de ser, ao menos, divertida e ágil. É mais do mesmo,
previsível e longo em excesso, mas o filme de Greg Berlanti ao menos está longe
de ser irremediavelmente medíocre como muitos dos seus congêneres.
A trama começa em 2007, estabelecendo de cara a antipatia
gratuita que surge entre a certinha Holly (vivida por Heigl, quem mais?) e o
simpático porém levemente irresponsável Messer (Josh Duhamel): o encontro às
escuras promovido por seus melhores amigos é desastroso e os minutos seguintes
fazem questão de mostrar que não existe a menor sintonia entre os dois, que
acabam por se tornar os padrinhos da linda Sophie, filha do casal que tentou em
vão uní-los. Logo depois do primeiro aniversário do bebê, porém, a vida de
ambos irá sofrer um abalo inesperado que os obrigará a uma convivência muito
mais próxima do que poderiam desejar: a linda menina fica órfã depois de um
acidente de carro e o casal (que se detesta e não faz questão de esconder tais
sentimentos) descobre que foram escolhidos como seus guardiões, precisando,
para isso, morarem juntos na bela e confortável casa de seus falecidos amigos.
Logicamente a situação pega a todos de surpresa, e Holly – que está em vias de
expandir sua confeitaria – e Messer – um diretor de transmissão de jogos de basquete
tentando um salto na carreira – aos poucos passam a conviver com a rotina de
criar um inocente bebê de um ano de idade.
O tema da
maternidade/paternidade súbita já foi tratado no cinema americano no final dos
anos 80 – um período em que os EUA viviam uma onda de conservadorismo quase
obsessiva, impulsionada principalmente pela epidemia da AIDS – em filmes como
“Presente de grego” (estrelado por Diane Keaton) e “Três solteirões e um bebê”
(refilmagem de um original francês que lotou cinemas país afora com a presença
de Tom Selleck). Portanto, a ideia do roteiro não é exatamente nova, como
também não é novo o seu desenvolvimento. Tudo que acontece em “Juntos pelo
acaso” pode ser adivinhado com várias cenas de antecedência – assim como o
desfecho tradicional e a inclusão de um terceiro vértice amoroso na trama, como
forma de “complicar” a situação. Tal vértice surge na imagem de Sam (Josh
Lucas), um pediatra divorciado que se encanta por Holly e a faz questionar seu
relacionamento sui generis com
Messer. Mais uma vez, não é um elemento dos mais criativos, mas acaba
funcionando como mais uma peça de engrenagem dentro de um gênero com suas
regras muito bem definidas e quase imutáveis. O público parece não se importar
com tanta previsibilidade: o filme rendeu mais de 60 milhões de dólares somente
no mercado doméstico (EUA e Canadá).
Mas, apesar
dos pesares, “Juntos pelo acaso” não é, como afirmado anteriormente, um
suplício para aqueles que – não-fãs do gênero – se arriscarem a uma sessão.
Katherine Heighl e Josh Duhamel tem química, o roteiro consegue criar uma ou
outra situação realmente engraçada (como a visita de uma assistente social logo
depois que os dois “pais” se deliciaram com um bolo de maconha) e os
personagens secundários são simpáticos e comentam a ação com uma certa dose de
ironia em relação ao american way of life
(todos os vizinhos se encantam por Messer, inclusive as mulheres casadas e
o casal gay). No fim das contas, a receita casal atraente + piadas no meio
termo entre a ingenuidade e a ousadia + bebê engraçadinho funciona mais uma vez
para quem procura um passatempo leve e agradável. Não muda a vida de ninguém,
mas nem sempre um filme precisa carregar nas costas a pretensão de transformar
o mundo ou a indústria, não é verdade?
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