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MEIA-NOITE EM PARIS

MEIA-NOITE EM PARIS (Midnight in Paris, 2011, Gravier Productions, 94min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Darius Khondji. Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Sonia Grande. Direção de arte/cenários: Anne Seibel/Hélène Dubreuil. Produção executiva: Javier Méndez. Produção: Letty Aronson, Jaume Roures, Stephen Tenenbaum. Elenco: Owen Wilson, Marion Cottilard, Rachel McAdams, Michael Sheen, Kathy Bates, Corey Stoll, Adrien Brody, Alison Pill, Tom Hiddleston, Carla Bruni, Léa Seydoux. Estreia: 11/5/11 (Festival de Cannes)

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Woody Allen), Roteiro Original, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Roteiro Original
Vencedor do Golden Globe de Roteiro


Fazer um filme por ano há mais de três décadas não é para qualquer um. Woody Allen não É qualquer um. Somente entre 2000 e 2010 ele equilibrou-se em filmes apenas eficientes (“Dirigindo no escuro”, “Tudo pode dar certo”, “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos”), alguns deslizes (“Melinda e Melinda”, “O escorpião escarlate”), filmes subestimados (“O sonho de Cassandra”, “Igual a tudo na vida”), sucessos de crítica (“Vicky Cristina Barcelona”) e duas obras-primas. A primeira, de 2005, é “Match point: ponto final”, um drama com elementos de suspense que vai fundo na releitura de “Crime e castigo”, de Dostoievsky. A outra é “Meia-noite em Paris”, uma deliciosa, brilhante e charmosa homenagem à Cidade-luz e seus dourados anos 20. Indicada ao Oscar de melhor filme do ano – feito que somente o multipremiado “Noivo neurótico, noiva nervosa” havia conseguido, em 1977 – a história do mergulho do aspirante a escritor Gil Pender na atmosfera féerica que inspirou Ernest Hemingway a escrever o clássico “Paris é uma festa” acabou conquistando a merecidíssima estatueta de roteiro original no mesmo ano em que a Academia parecia ter descoberto o fascínio pelo passado – “O artista”, um filme mudo e em preto-e-branco dirigido pelo francês Michel Hazanivicius e que falava sobre os primórdios do cinema, foi o grande vencedor.
Enquanto “O artista” acompanhava a decadência de um astro do cinema mudo com a chegada do som à indústria do cinema, “Meia-noite em Paris” percorre um caminho inverso: na obra estrelada por Jean Dujardin (também vencedor de um Oscar) é o futuro que atropela o protagonista, na forma da ameaçadora tecnologia que lhe arrancará do topo da popularidade; no filme de Allen, quem surge do nada e surpreende o protagonista é o passado, na forma de um virtual portal para um período em que as festas da capital francesa eram frequentadas por gente do porte de Hemingway, F. Scott Fitzgerald e sua mulher Elsa, Gertrude Stein, Pablo Picasso e Cole Porter – não por acaso, ídolos máximos do roteirista de cinema com ambições de tornar-se escritor e mudar-se para a cidade e aproveitar tudo que ela pode oferecer, desde sua paisagem e seu clima cultural até a chuva que ele enxerga com olhos românticos (ao contrário de sua materialista e patricinha noiva). O ator vivido por Dujardin luta contra o inevitável. O escritor interpretado por Owen Wilson – na melhor atuação de sua carreira – se entrega à inusitada situação com deleite extremo (e quem não o faria?). Porém o filme de Allen não se deixa limitar pelas amarras de uma piada única: engraçado, elegante e inteligente, “Meia-noite em Paris” até pode agradar muito mais àqueles que tem uma noção mais específica de literatura, arte e música, mas é impossível não se deixar envolver por sua atmosfera lúdica e nostálgica.
Gil Pender, o protagonista, visita Paris como alguém fascinado por sua história, sua cultura e sua aura. Deseja morar na cidade e beijar sob a chuva que cai à noite sobre suas charmosas ruas. Sua noiva, Inez (Rachel McAdams) só quer saber de aproveitar as promoções e comprar artigos de decoração para sua nova casa em Hollywood – e não perde nenhuma chance de comparar (negativamente) o noivo a um antigo namorado que encontra por acaso no país, o pedante Paul(Michael Sheen). Enquanto ela vê Paris como um mero shopping-center, Pender se descobre repentinamente capaz de viajar para o passado: caminhando sem rumo pela cidade em uma noite, ele entra em um mundo povoado por todos aqueles ídolos a quem sempre venerou e, a princípio atônito e posteriormente agradecido aos céus, tem a chance de pedir que Gertrude Stein (Kathy Bates) leia seu romance e lhe dê conselhos a respeito – assim como também faz amizade com o hedonista Ernest Hemingway (Corey Stoll, fabuloso) e com o enlouquecido casal Fitzgerald (Tom Hiddlestone e Alisson Pill). Frequentando saraus, festas e reuniões, ele acaba se apaixonando perdidamente por Adriana (Marion Cottilard), musa e amante de Pablo Picasso – e passa a considerar seriamente a hipótese de nunca mais voltar ao século XXI. E é aí que Allen mostra seu gênio.


O que até então era apenas uma deliciosa brincadeira com a festa ambulante que era a capital francesa nos anos 20, transforma-se repentina e inteligentemente em uma discussão sobre as dores e delícias de se estar em um mundo com o qual não se tem afinidades culturais e sociais. Pender é um sujeito norte-americano do século XXI que sonha viver em uma cidade europeia dos primeiros anos do século anterior. Sua amante vive nesse que ele considera seu paraíso particular, mas, insatisfeita, preferiria estar passeando pelas ruas e cabarés da belle époque, socializando com Toulouse-Lautrec. E o espectador, deliciado na plateia, fica a perguntar-se se qual o endereço de seu Xangri-lá. Com sutileza e bom-humor, Allen mostra que nenhuma época da história é tão perfeita quanto se pode sonhar e, com isso, permite ao público uma viagem segura e delicada a seus mais recônditos desejos nostálgicos. Sem medo de mergulhar fundo na fantasia – da mesma forma que já havia feito com enorme êxito no belo “A rosa púrpura do Cairo” (85) – o cineasta permite a seus personagens que assumam sem medo seus anseios e dá a seu desfecho um tom de otimismo capaz de derreter até ao mais cínico coração.
É claro que o espectador familiarizado com a obra de Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein, Picasso, Luis Buñuel e Salvador Dalí vai encontrar ainda mais motivos para se divertir com “Meia-noite em Paris”, mas o que nas mãos de outro diretor poderia soar como um pedantismo oco e gratuito se torna um charme extra ao filme de Allen, premiado com extrema justiça com o Oscar de roteiro original. Fotografado com carinho e inteligência pelo ótimo Darius Khondji – cujo currículo inclui “Seven, os sete crimes capitais”, “Evita” e “Beleza roubada” – e com um elenco onde se destaca o pouco conhecido Corey Stoll (da telessérie “House of Cards”) como Ernest Hemingway e o sempre competente Michael Sheen como o arrogante Paul, “Meia-noite em Paris” é um ponto altíssimo na carreira de Allen, recheada de grandes filmes. Imperdível!

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