REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (Rebecca, 1940, Selznick International Pictures, 130min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Robert E. Sherwood, Joan Harrison, adaptação de Philip MacDonald, Michael Hogan, romance de Daphne Du Maurier. Fotografia: George Barnes. Montagem: W. Donn Hayes. Música: Franz Waxman. Direção de arte: Lyle Wheeler. Produção: David O. Selznick. Elenco: Laurence Olivier, Joan Fontaine, George Sanders, Judith Anderson, Nigel Bruce. Estreia: 27/3/40
11 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Alfred Hitchcock), Ator (Laurence Olivier), Atriz (Joan Fontaine), Atriz Coadjuvante (Judith Anderson), Roteiro Adaptado, Fotografia em P&B, Montagem, Trilha Sonora, Direção de arte/cenários em P&B, Efeitos Visuais
Vencedor de 2 Oscar: Melhor Filme, Fotografia em P&B
Todas as lendas que correm por Hollywood desde sempre dizem que a relação de Alfred Hitchcock com suas atrizes não era exatamente o que se pode chamar de saudável. Como uma espécie de confirmação nefasta de tais boatos, basta que se saiba o que o pai do suspense fez com Joan Fontaine durante as filmagens de "Rebecca, a mulher inesquecível", seu primeiro filme em terras americanas: sabendo que Fontaine era praticamente destratada por seu astro Laurence Olivier (que preferiria que o papel tivesse ficado com sua então esposa Vivien Leigh), o genial diretor teve a brilhante ideia - ao menos para ele - de fazer chegar aos ouvidos de Fontaine que não apenas Olivier a detestava, mas sim a equipe inteira. Não é preciso fazer um exercício muito grande de imaginação para entender que tal situação deixou a atriz incomodada, desconfortável e apavorada. Justamente como o diretor queria que ela fosse na pele da personagem!
Adaptado do romance homônimo de Daphne Du Marier - autora também de "Os pássaros", que Hitch dirigiu em 1963 - "Rebecca" marcou a estreia do cineasta no cinema americano em grande estilo, sob o comando do todo-poderoso produtor David O. Selznick, que havia comprado os direitos da obra de Maurier para ser estrelada por Carole Lombard e Ronald Colman. Quando Colman pulou fora do projeto - por achar as personagens femininas mais fortes e por desgostar do tom macabro da trama - Laurence Olivier, um dos maiores atores ingleses de todos os tempos foi escolhido. Acontece que Olivier queria que sua amada Vivien Leigh fosse a escolhida para o principal papel feminino, o que batia de frente com as opções do produtor: além de Anne Baxter e Loretta Young, Selznick também estava em dúvida entre duas irmãs que, como todos sabem, se odiavam além de qualquer limite, Olivia de Havilland e Joan Fontaine. Como Havilland não foi emprestada pela Warner - e também não estava nada feliz em disputar o papel com sua irmã - Fontaine acabou escolhida, para desgosto de muita gente na equipe, que não a considerava famosa o bastante para liderar um elenco. Hitchcock chegou no meio da tempestade - ele sempre quis filmar o livro mas não tinha condições financeiras de pagar os direitos - e, colocando pimenta nos bastidores, construiu um fenomenal suspense psicológico que lhe deu uma indicação ao Oscar de diretor (que perdeu para John Ford, por "As vinhas da ira") e deu a Selznick mais uma estatueta de melhor filme.
Joan Fontaine - que ganharia o Oscar de melhor atriz no ano seguinte com outro filme de Hitchcock, "Suspeita" - está na medida exata como a dama de companhia de uma desagradável senhora de idade que se apaixona perdidamente durante uma viagem pelo milionário Maxim de Winter (Laurence Olivier), um viúvo discreto e misterioso que a pede em casamento pouco tempo depois de conhecê-la. Inebridada de amor, ela aceita o pedido e, depois de casada, se vê diante da responsabilidade de administrar a imensa propriedade do marido, a fantástica Manderley, e todas as regras sociais que a circundam. Seu maior desafio, porém, será lidar com a memória da falecida esposa de Winter, a bela Rebecca, morta em um acidente de barco. Além da atmosfera sombria da mansão - em que tudo parece tenso e macabro - a lembrança de Rebecca é também sempre trazida à tona pela governanta, Mrs. Danvers (Judith Anderson), que faz questão de atormentar a nova patroa.
Para criar a atmosfera perfeita para Manderley - uma casa que é também personagem crucial para a trama - Hitchcock optou pela fotografia em preto-e-branco (também recompensada com um Oscar) e usou de artifícios simples mas extremamente eficazes em transmitir a tensão que rodeia a protagonista, cujo nome jamais é mencionado, também como forma de oprimí-la diante da opulência de sua nova vida. Assim, a apavorante Mrs. Danvers nunca é vista caminhando, sempre aparecendo diante dos olhos de sua patroa de uma hora para outra (além de nunca piscar em cena). Os duelos entre as duas atrizes estão entre os melhores momentos do filme, que não abdica nem mesmo das reviravoltas mirabolantes tão importantes nos melodramas literários. O espectro de Rebecca - que não, não aparece em forma de fantasma real, mas sim ilustrada pelo que é ainda mais assustador, a imaginação - permeia toda a narrativa, como uma ameaça tangível à felicidade da nova Sra. De Winters e a sutileza com que o diretor mostra tal fato é que faz a diferença entre o drama psicológico aterrador que apresenta e as dezenas de produções de terror que vieram logo após, extirpando a inteligência do gênero.
"Rebecca, a mulher inesquecível" é um Hitchcock quase atípico: não tem senso de humor, não toma partido de sequências técnicas de tirar o fôlego e tampouco é exatamente um filme de suspense, podendo até mesmo ser considerado um drama. Mas é mais um perfeito exemplo de como um cineasta de talento sempre foi e sempre será a principal razão do sucesso de um bom produto cinematográfico.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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