Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Quando o espanhol Pedro Almodóvar e
o americano Quentin Tarantino anunciaram o nome do argentino “O segredo dos
seus olhos” como o vencedor do Oscar 2010 de Melhor Filme Estrangeiro, a
plateia não pode disfarçar a surpresa. Para os presentes no auditório e para os
telespectadores que acompanhavam a cerimônia, estava certo que a disputa seria
entre o alemão “A fita branca”, de Michael Haneke, e o belga “O profeta”, de
Jacques Audiard, ambos amplamente premiados em festivais de cinema e associações
de críticos de cinema. Porém, conforme o susto foi passando e os cinéfilos
prestaram atenção na inteligente mistura entre drama romântico e trama policial
engendrada pelo escritor Eduardo Sacheri – adaptada por ele mesmo e pelo
cineasta Juan José Campanella – sua vitória começou a fazer todo o sentido do
mundo. Não apenas o filme mereceu a vitória como acabou por tornar-se
(merecidamente) um clássico moderno, uma perfeita demonstração de equilíbrio
narrativo e brilhantismo técnico que apenas o melhor cinema mundial pode
oferecer. E de quebra, consagrou o ator Ricardo Darín como o embaixador
não-oficial do cinema argentino no resto do mundo.
Expressivo e carismático, Darín é o
corpo e a alma de “O segredo dos seus olhos”, um filme que pode ser considerado,
sem erro, dois em um. Fato raro em uma época em que os filmes dificilmente
ousam misturar mais de um gênero – e quando o fazem chegam a resultados
sofríveis – a obra de Campanella funciona perfeitamente bem tanto no campo do
cinema policial (com uma trama coesa e intrigante, que prende a atenção do
espectador do primeiro ao último minuto) quanto no terreno do drama romântico
(que passa longe do sentimentalismo barato e seduz o público com extrema
sutileza). Não fosse o bastante, o roteiro ainda consegue aliviar a barra de
uma história pesada com momentos de um humor gaiato e malandro (personificado
na figura de Guillermo Francella, sempre em vias de roubar as cenas em que
aparece na pele de Pablo Sandoval, colega de trabalho e melhor amigo do protagonista).
Ao contrário do que acontece na maioria dos filmes policiais americanos, porém,
onde o alívio cômico tem a função única de fazer rir, aqui a presença de
Sandoval tem desdobramentos imprevisíveis – e sua importância cabal no
desenvolvimento de ambas as tramas apenas reitera o brilhantismo do roteiro de
Sacheri e Campanella, que melhoram o livro que lhe deu origem, acrescentando a
ele camadas visuais e nuances dramáticas ainda mais poderosas.
Quando a história começa, Benjamín
Esposito (Ricardo Darín, impecável) resolve abandonar a solidão da
aposentadoria para procurar um antigo amor platônico, Irene Menéndez Hastings
(Soledad Villamil), hoje procuradora de justiça de Buenos Aires. O motivo da
visita – além da paixão que ainda nutre pela ex-colega, casada e mãe – é
mostrar a ela os manuscritos de seu romance de estreia, inspirado em um caso
policial em que ambos estiveram envolvidos 25 anos antes. Obcecado com a
história da morte da jovem Liliana Coloto (Carla Quevedo) – estuprada e morta
em sua própria casa quando o marido estava no trabalho – e com o desfecho do
caso, Esposito tenta, com seu livro, encontrar um final satisfatório para o
drama, bem como sabe que sua reaproximação com Irene pode alterar também seu
destino romântico, interrompido por questões mal-resolvidas. Intercalando o
presente – com os antigos apaixonados tentando lidar com o inesperado
reencontro – com o passado – que mostra as investigações da morte de Liliana –
“O segredo dos seus olhos” mergulha o espectador em um labirinto de pistas
falsas, corrupção, violência e paixão, que, somados, constroem um amplo painel
de crueldade e decepções. Sem jamais perder o fio da narrativa, Campanella
penetra com maestria nos desvãos da (in) justiça para atingir o público com uma
arrebatadora história de obsessão.
Brindando o espectador com
sequências brilhantes, como o longo plano-sequência de cinco minutos em um
estádio de futebol lotado (que na verdade, por obra e graça da edição impecável
assinada pelo próprio diretor, são vários planos-sequências imperceptivelmente
cortados em momentos precisos) e a potente cena em que o culpado pela morte de
Liliana confessa seu crime incentivado pelo egocentrismo, Campanella – que já
havia disputado o Oscar com o emotivo “O filho da noiva”, sintomaticamente
estrelado pelo mesmo Ricardo Darín – se mostra um cineasta dotado de extremo
talento para a imagem e a construção cinematográfica, com a vantagem de jamais
deixar que seu virtuosismo técnico sobrepuje a força dos diálogos e de sua história.
Por todo o seu filme ele faz questão de frisar – sutil mas enfaticamente – a
força do olhar, a verdade que surge quando se presta atenção nos olhos alheios.
Não é à toa que as trocas de olhares entre Esposito e Irene falam mais do que
suas conversas, ou que sejam os olhares cobiçosos de um apaixonado fiel (em
fotos antigas) que deslindem o caso e levem a polícia ao criminoso. Campanella
parece dizer, em cada fotograma, que se os olhos são o espelho da alma, lhes
são impossível esconder tudo que ela tenta manter recalcado.
Sufocantemente romântico e empolgante
como thriller policial – com direito a um final arrebatador e de absoluta
coerência com todo o discurso mostrado desde seus primeiros minutos – “O
segredo dos seus olhos” é tão bom que nem mesmo inúmeras revisões conseguem
tirar o prazer do espectador. É de lamentar apenas a ganância hollywoodiana,
que transformou a originalidade de sua trama no insosso “Olhos da justiça”, um
remake capenga e sem personalidade estrelado por Julia Roberts, Nicole Kidman e
Chiwetel Ejiofor, que muda a essência da trama e justifica-se apenas pela
preguiça legendária do público norte-americano de acompanhar legendas. Azar de
quem preferir a versão sem graça ao invés do genial original.
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