A MONTANHA DOS SETE ABUTRES (Ace in the hole/The big Carnival, 1951, Paramount Pictures, 111min) Direção: Billy Wilder. Roteiro: Billy Wilder, Lesser Samuels, Walter Newman. Fotografia: Charles B. Lang Jr.. Montagem: Arthur Schmidt. Música: Hugo Friedhofer. Figurino: Edith Head. Direção de arte/cenários: Earl Hedrick, Hal Pereira/Sam Comer, Ray Moyer. Produção: Billy Wilder. Elenco: Kirk Douglas, Jan Sterling, Bob Arthur, Porter Hall, Frank Cady, Richard Benedict, Ray Teal. Estreia: 14/6/61.
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Billy Wilder não era um homem acostumado a meias-palavras, meias-imagens e dubiedades. Quando quis mostrar o lado cínico de Hollywood, ele fez "Crepúsculo dos deuses" (1950). O mesmo quando fez um retrato realista do alcoolismo em "Farrapo humano" (1945), das mazelas que se escondiam sob um prédio de escritórios em "Se meu apartamento falasse" (1960) e das escapadas extraconjugais (ainda que apenas imaginadas) em "O pecado mora ao lado" (1955). Seja com contundência ou com seu humor amargo e irônico (quase cínico), o cineasta austríaco consagrou-se em Hollywood com seu peculiar ponto de vista que, a despeito dos muitos prêmios e dos frequentes sucessos de bilheteria, normalmente despertavam polêmica ou, no mínimo, um olhar mais cuidadoso dos censores e dos membros mais suscetíveis da sociedade norte-americana. E um de seus mais incisivos petardos, o controverso "A montanha dos sete abutres" foi, talvez, um dos alvos mais destacados alvos dessa suspeita sensibilidade ianque.
Baseada em fatos reais - o que levou o diretor/roteirista ao banco dos réus em um processo de plágio que acabou perdendo - "A montanha dos sete abutres" foi um grande fracasso de bilheteria e crítica à época de seu lançamento, em grande parte talvez pela dureza de sua trama, a falta total de humanidade de seus personagens e pelo fato de, de certa forma, acusar o próprio espectador de compactuar indiretamente com os fatos narrados, através da apatia e da sede insaciável por sensacionalismo (o que mantém o filme atualíssimo ainda hoje, mesmo depois de seis décadas). Enquanto em seus filmes anteriores Wilder sempre arrumava um espaço para um certo senso de humor (ainda que distorcido por sua visão quase pessimista do mundo), neste seu ataque à irresponsabilidade da mídia ele deixa de lado qualquer brincadeira, enfatizando o lado egoísta e interesseiro de seus personagens com lente de aumento.
Kirk Douglas - em sua única colaboração com Wilder - está inspiradíssimo na pele de Chuck Tatum, um inescrupuloso e cínico jornalista que tenta recomeçar sua carreira em um pequeno jornal do interior dos EUA depois de ser demitido de seu emprego em Nova York (de onde saiu graças à sua paixão pela bebida, pela mentira e pelas mulheres, em especial a do chefe). Depois de um ano sentindo-se preso à absoluta falta de perspectivas de uma melhora na carreira - haja visto que nada de excitante acontece à sua volta - ele vê sua grande chance na figura de um desconhecido, um minerador chamado Leo Minosa (Richard Benedict), preso devido a um deslizamento de terra em uma caverna localizada em um lugar apropriadamente chamado A Montanha dos Sete Abutres. Sentindo o cheiro de uma grande matéria no ar, Tatum não hesita em utilizar-se de todos os artifícios pouco éticos de sua personalidade para retardar o resgate. Sua intenção - que acaba sendo compartilhada pelos ambiciosos moradores locais - é uma só: transformar o calvário do rapaz em manchete nacional. Adiando cada vez mais a salvação de Leo, o jornalista conta com a ajuda do xerife da cidade, com os comerciantes (que se veem lucrando quando o local torna-se ponto turístico) e até com a cínica esposa do trabalhador, a fria Lorraine (Jan Sterling), que acaba se envolvendo com o repórter.
É lógico que uma história como essa não pode terminar bem, e Wilder aproveita a contundência da trama para que ela fale por si mesma. Enquanto Leo Minosa pena em sua tortura particular - sem movimentos, com pouca comida, pouca água e pouco ar - e confia em Tatum como sua única salvação, a pequena localidade que o conhece desde sempre lucra como nunca, chegando a cobrar ingressos para um simples vislumbre do local do acidente (e o fato do rapaz ainda estar preso lá dentro pouco importa aos ávidos frequentadores de parques de diversão que enxergam na tragédia apenas um acontecimento pitoresco). A Lorraine Minosa de Jan Sterling é ainda mais cruel, quase aproveitando a situação do marido para dar o fora de seu inferno particular - um casamento insosso. É dela a frase mais marcante do filme (e que, segundo consta, veio da imaginação da sra. Wilder, Audrey Young): "Eu não me ajoelho para rezar. Rasga as minhas meias." O tom ácido da frase permeia todo o roteiro e todas as imagens de "A montanha dos sete abutres", secas, diretas, sem poesia ou beleza que disfarcem a maldade inerente aos seres humanos que retrata. É Billy Wilder sendo Billy Wilder, ou seja, cinema de primeira qualidade a serviço de uma trama que incomoda pela verdade.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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