A primeira lembrança que vem à mente é a comédia
semi-clássica “Como eliminar seu chefe”, a pérola kitsch estrelada por Jane
Fonda, Lily Tomlin e Dolly Parton na já longínqua década de 80. Porém, apesar
do título nacional e da temática semelhante, não há como comparar a quase
inocência do filme de Fonda com a coragem desbragada de “Quero matar meu
chefe”, lançado pelo cineasta Seth Gordon no rastro do imenso sucesso das
chamadas “comédias adultas” que encheram os cofres dos estúdios a partir de “Se
beber, não case” e “Missão madrinha de casamento”. Grandes êxitos comerciais e
até, condescendentemente, de crítica – o primeiro levou um Golden Globe e o
segundo chegou a concorrer a dois Oscar – os filmes que deram suporte a atores
como Bradley Cooper e Melissa McCarthy foram os sinalizadores de um tipo de
humor que parecia ter ficado no passado, em detrimento de filmes menos
agressivos à suscetibilidade de um público cada vez mais conservador –
paradoxalmente, enquanto as comédias encaretavam cada vez mais, as produções
com doses cavalares de violência extrema tornavam-se progressivamente mais
virulentas. Aproveitando o que parecia ser uma certa permissividade em relação
ao que poderia ou não soar engraçado aos olhos e ouvidos de uma plateia média,
“Quero matar meu chefe” acertou em cheio, misturando em doses exatas piadas no
limiar do mau-gosto, humor físico e uma ironia fina – cortesias de um roteiro
equilibrado, um ritmo admirável e, a cereja do bolo, um elenco coadjuvante de primeira
linha. Não é de surpreender que tenha deixado os executivos da Warner com um
sorriso de orelha a orelha – a ponto de uma continuação muito inferior ter
surgido dois anos depois.
Enquanto no filme de 1981, as
moçoilas vividas por Fonda, Tomlin e Parton eram secretárias que, cansadas das
humilhações diárias impostas por seu patrão imaginavam maneiras de eliminá-lo
dentro de um humor ingênuo e apropriado à fama de suas atrizes centrais, em
“Quero matar meu chefe” a sutileza dá lugar ao escracho puro e simples, em uma
sucessão de tiradas hilariantes que não poupam nada nem ninguém – e dá-lhe
citações a filmes famosos (“Pacto sinistro”, de Hitchcock, à frente),
personagens de quadrinhos (“Demita o Professor Xavier!”, dispara o cruel Colin
Farrell, referindo-se a um funcionário cadeirante) e diálogos sem
meias-palavras travadas entre a até então pudica Jennifer Aniston e seu
assistente tímido e apavorado com o assédio. Tendo como um dos produtores o
também cineasta Brett Ratner – de “X-Men: o confronto final”, entre outros – o
filme de Gordon faz rir tanto aqueles que preferem um humor verbal menos óbvio
quanto aqueles que buscam na comédia uma forma de desligar o cérebro para rir
das próprias desgraças. Em outras palavras, é um filme sem contra-indicações.
Nick (Jason Bateman, com ótimo
timing cômico) vive para o trabalho, tendo abdicado de toda e qualquer outra
atividade há oito anos, com o claro objetivo de ser promovido e melhorar a
qualidade de vida. Seus planos vão por água abaixo, porém, quando seu chefe,
Harken (Kevin Spacey), resolve dar o cargo de vice-presidente de vendas a ele
mesmo – acumulando assim duas funções e dois salários, não sem antes humilhar o
funcionário e chantageá-lo com a ameaça de destruir seus futuros planos profissionais.
Kurt (Jason Sudeikis) é um mulherengo contumaz que adora o trabalho em uma
indústria química e o patrão (Donald Sutherland), mas quando este morre e deixa
como herdeiro seu único filho, o agressivo, viciado em cocaína e egoísta Pellit
(Colin Farrell), sua rotina vira de cabeça pra baixo – o novo diretor da
empresa não hesita em contratar serviços mais baratos nem que tenha que
sacrificar trabalhadores escravos, e deseja cortar as gorduras nos gastos da
companhia (“Demita os gordos!”, declara sem pena). E Dale (Charlie Day,
irresistível) é um rapaz romântico que acaba de ficar noivo e que sofre com o
violento assédio sexual que sofre da patroa, a ninfomaníaca (Jennifer Aniston),
que não hesita em deixar bem claro que, caso eles não transem antes do
casamento, a cerimônia pode nem mesmo acontecer. Dale, coitado, nem mudar de
emprego consegue: fichado na polícia como criminoso sexual por ter urinado em
um parque infantil à noite (com o local deserto!!), ele é incapaz de arrumar
uma posição melhor do que assistente de dentista.
Sofrendo com suas vidas
profissionais, os três amigos resolvem, então – depois de chegarem à conclusão
de que buscar um novo posicionamento no mercado é algo pouco encorajador em sua
idade – tomar uma atitude drástica: assassinar seus patrões. A idéia, surgida
no meio de uma bebedeira, toma ares de um plano real quando eles procuram um
“assessor para assassinatos”, o misterioso Motherfucker Jones (Jamie Foxx), que
lhes dá as diretrizes básicas do projeto: cada um irá matar o chefe do outro,
para afastar suspeitas. E é aí que começa a bagunça: as particularidades de
cada uma das possíveis vítimas vão sendo arquivadas mentalmente pelo trio de
homicidas novatos e, como se poderia esperar de uma comédia, nada sai conforme o
planejado e sequências divertidíssimas acompanham a aventura dos pobres
assalariados: desde a invasão da casa de Pellit – quando eles encontram uma
decoração absurdamente cafona e uma quantidade bizarra de cocaína – até o
encontro acidental entre Dale e Harken na frente de sua mansão, que culmina com
um bizarro caso de ressuscitação médica, Seth Gordon entrega ao público uma
sucessão de situações bem amarradas e sinceramente engraçadas, capaz de fazer
rir até o mais cínico espectador – e nem mesmo o final pouco criativo consegue
diminuir a qualidade do filme.
Mas, como não poderia deixar de ser,
um roteiro inspirado não seria o bastante se o elenco não correspondesse a ele.
Se o trio de protagonistas demonstra uma química admirável – Charlie Day, da
série “It’s Always sunny in Philadelphia” rouba todas as cenas em que aparece –
o mesmo pode ser dito dos coadjuvantes, um grupo de atores consagrados que
demonstra uma bem-vinda e corajosa dose de autogozação. Jennifer Aniston deixa
de lado as mocinhas sofridas de suas comédias românticas e constrói uma Diana
quase cruel em sua obsessão de traçar o empregado quase pueril – Aniston não
tem medo de recitar diálogos cabeludos ou de fazer cenas francamente a um passo
do vulgar (como aquela em que tenta seduzir Kurt apenas comendo alimentos de
formato fálico). Colin Farrell abandona o porte de galã e ator sério ao encarar
com deboche consumado o egocêntrico Pellit, construído visualmente de forma a
deixar o ator irlandês a milímetros do grotesco – uma careca disfarçada por
fios penteados para o lado, olhos arregalados de paranoia, um barrigão
proeminente. E Kevin Spacey faz de seu Harken um canalha impenitente que
somente ele é capaz de fazer sem o menor esforço: Spacey, um dos melhores
atores americanos de sua geração, faz do personagem uma espécie de primo do
executivo de cinema que ele interpretou em “O preço da ambição” (1994) e um
ensaio para o venal protagonista de série “House of cards”. Não bastasse esse
trio de ouro, Donald Sutherland, Jamie Foxx e Ioan Gruffud – da primeira versão
de “Quarteto fantástico”, em participação especial como o primeiro profissional
contratado pelos protagonistas e que se revela outro tipo de trabalhador –
completam o elenco de uma comédia que tem a mais importante característica de
um exemplar do gênero: não tem medo de ser engraçada.
Em uma época em que as comédias se
dividem entre a fina ironia dos filmes de Woody Allen e a franca grosseria de
coisas como “As bem-armadas”, “Quero matar meu chefe” se situa em um
inteligente meio-termo: não ofende a inteligência do espectador nem tampouco
exige dele uma série de elocubrações e referências intelectuais. É diversão
pura e simples, valorizada por um elenco acima de qualquer crítica e uma
direção com senso de ritmo. Uma das melhores comédias de sua temporada.
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