BENT
(Bent, 1997, Channel Four Films, 105min) Direção: Sean Mathias.
Roteiro: Martin Sherman, peça teatral de sua autoria. Fotografia: Yorgos
Avanitis. Montagem: Isabel Lorente. Música: Philip Glass. Figurino:
Stewart Meachem. Direção de arte/cenários: Stephen Brimson Lewis.
Produção executiva: Hisami Kuroiwa, Sarah Radclyffe. Produção: Dixie
Linder, Michael Solinger. Elenco: Clive Owen, Ian McKellen, Luthaire
Bluteau, Brian Webber. Estreia: Maio/97 (Festival de Cannes)
Quando
foi anunciado que a peça teatral "Bent" - sucesso da Broadway que
estreou em dezembro de 1979 e concorreu ao Tony de melhor espetáculo de
1980 - seria adaptada para o cinema, o primeiro nome divulgado no elenco
foi o de Richard Gere, protagonista da montagem original quando ainda
era desconhecido do público de cinema. Sua escalação para o papel
central - um homossexual que sofre os horrores de um campo de
concentração nazista durante a II Guerra - seria uma espécie de garantia
e visibilidade comercial aos produtores para um projeto arriscado e
potencialmente prejudicial à carreira de um ator sem sua estabilidade
popular. Trabalhar com um astro de cinema, porém, não é tão simples como
parece e antes mesmo do início da produção, Gere teve que abandonar o
barco por questões profissionais - mais conhecidas como conflito de
agendas - que o impediam de estar disponível para as filmagens no prazo
planejado. Sendo assim, ele partiu para filmar "Justiça vermelha" e "O
chacal" e acabou sendo substituído por um ator inglês - cujo trabalho
basicamente para a televisão ainda não havia justificado o interesse de
Hollywood - chamado Clive Owen. No cinema, como na vida, há males que
vem pra bem, e a entrada de Owen no filme de Sean Mathias foi o que de
melhor poderia ter acontecido. Ok, comercialmente sua presença não
ajudou em nada, mas é difícil imaginar que Richard Gere - um ator mais
conhecido por seus dotes de galã do que por seu talento - pudesse ter a
força dramática que Owen imprime a cada cena do filme.
Antes
de começar uma bem-sucedida carreira em Hollywood - que culminou com
uma indicação ao Oscar de coadjuvante por "Closer, perto demais" (04) -
Owen interpreta, com garra e sensibilidade, o alemão Max, um jovem de
família influente que é renegado por ela por não tentar esconder de
ninguém sua homossexualidade em plena efervescente Berlim de 1935,
quando os nazistas estão começando sua escalada de terror. Conhecido na
noite da cidade, ele tem uma relação relativamente estável com o
bailarino Rudy (Brian Webber) - e por causa dele, recusa-se a aceitar um
visto para fora do país quando passa a ser procurado graças ao
envolvimento passageiro com o amante de um dos homens de confiança de
Hitler, assassinado a mando do regime. Preso junto a ele, Max presencia a
extrema violência da polícia nazista, testemunha o assassinato de Rudy
e, com medo de ser tratado como homossexual - a escala mais baixa dentre
os prisioneiros - mente sobre sua identidade sexual. Sua covardia chama
a atenção de Horst (Lothaire Bluteau), um gay orgulhoso de sua condição
que ostenta com o máximo de dignidade a estrela cor-de-rosa que o
identifica perante os demais prisioneiros. Tal diferença de atitudes, no
entanto, não os impede de se apaixonar, mesmo que sejam impedidos de
trocar um simples abraço.
Mantendo
a estrutura do texto original sem deixar que seu filme se transforme em
um mero teatro filmado, o diretor Sean Mathias - também ator e que até
hoje não assinou mais nenhum trabalho como cineasta - cria cenas
visualmente poéticas que ilustram violentamente a crueldade fria da
triste situação dos personagens. Contando com a ajuda da fotografia
acinzentada de Yorgos Avanitis e com a trilha sonora delicada e densa de
Philip Glass, ele conduz o espectador a uma atmosfera de pesadelo
sombrio, repetitivo e sufocante que contrasta com a atmosfera de
festividades orgiásticas e decadentes de seus primeiros minutos, que
mostram a vida cotidiana de Max e seus amigos da boemia - com direito
até a uma participação especialíssima de Mick Jagger como a performer
Greta, que abre o filme com um belo número musical que dá o tom do
espetáculo que virá. O roteiro, escrito pelo autor da peça, Martin
Sherman, é cuidadoso também ao criar um protagonista crível, complexo e
dotado de nuances tão sutis de que somente um ator do porte de Owen - e
de sua imersão no papel - seria capaz. Sua química com Lothaire Bluteau
é palpável e de uma intensidade que transborda da tela, especialmente
em momentos belíssimos, como a sequência em que fazem sexo sem ao menos
tocar um no outro.
Recheado de belos momentos como esse
e com um texto fluente que soa como poesia na boca de seus grandes
atores - Ian McKellen como o tio enrustido de Max, entre eles - "Bent" é
uma obra obrigatória dentro do universo do cinema homossexual e
relativo aos horrores da II Guerra, tratando de um assunto
frequentemente deixado de lado pelos grandes diretores e grandes
estúdios. Sem apelar para o erotismo de publicidade ou o dramalhão
manipulatório, é também um retrato bastante fiel do estilo de vida dos
gays alemães da década de 30, que podiam optar entre a clandestinidade e
o respeito alheio ou pela verdade e suas consequências - um estilo de
hipocrisia ainda presente na sociedade ocidental mesmo nos dias de hoje.
Um filme feliz em todos os aspectos, apesar da melancolia de sua trama e
da tristeza inerente a seu desfecho. Filmaço!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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