SERÁ
QUE ELE É? (In & out, 1997, Paramount Pictures, 90min) Direção:
Frank Oz. Roteiro: Paul Rudnik. Fotografia: Rob Hahn. Montagem: Dan
Hanley, John Jympson. Música: Marc Shaiman. Figurino: Ann Roth. Direção
de arte/cenários: Ken Adam/Charles V. Beal. Produção executiva: Adam
Schroeder. Produção: Scott Ruddin. Elenco: Kevin Kline, Matt Dillon, Tom
Selleck, Joan Cusack, Debbie Reynolds, Wilford Brimley, June Squibb,
Shawn Hatosy, Lauren Ambrose, Shalom Harlow. Estreia: 10/9/97 (Festival
de Toronto)
Indicado ao Oscar de Atriz Coadjuvante (Joan Cusack)
A
pequena cidade de Greenleaf, Indiana, está em festa. Um de seus
nativos, o jovem ator Cameron Drake (Matt Dillon), é o favorito para ganhar o Oscar de melhor ator, por seu desempenho como um soldado gay.
Orgulhosos de seu filho ilustre, os cidadãos se reúnem excitados para
assistir à cerimônia de premiação e comemoram felizes quando ele é
chamado ao palco para receber a estatueta. Em seu discurso de
agradecimento, ele não esquece de citar o local onde passou a vida toda e
revela que, para interpretar o papel que lhe deu tanta fama,
inspirou-se em Howard Brackett (Kevin Kline), um professor de Literatura
do ensino médio, que sempre lhe incentivou a lutar por seus sonhos... e
é homossexual. A cidade, apavorada, queda-se paralisada com a
surpreendente notícia, especialmente a família de Brackett, seus alunos e
sua noiva, Emily (Joan Cusack), com quem está de casamento marcado para
dali a poucos dias. Ninguém, porém, fica mais chocado que o próprio
Howard, que se vê envolvido em uma polêmica internacional e passa a
questionar a própria sexualidade.
Assim começa "Será
que ele é?", divertídissima comédia de situações dirigida por um craque
do gênero - o veterano Frank Oz - e que brinca com todos os clichês a
respeito da homossexualidade com respeito, inteligência e ironia.
Estrelado por um irretocável Kevin Kline - herdando um papel escrito
para Steve Martin e dotando-o de toda a personalidade que faz dele um
dos melhores atores de sua geração - o filme foge facilmente o rótulo de
"obra temática gay" para conquistar todo tipo de plateia com um humor
que, a despeito do tema sugerir, desvia da grosseria e do preconceito
com maestria invejável. Ao fazer com que o próprio Howard Brackett
duvide de sua sexualidade por causa de sinais inequívocos - um gosto
suspeito por Barbra Streisand, por exemplo - o roteiro de Paul Rudnick
(cuja origem foi o discurso de Tom Hanks quando recebeu um Oscar por
"Filadélfia" e citou um professor gay) o coloca em pé de igualdade com
todos os seus amigos e familiares - assim como o faz com o público - em
sua busca pela verdade. Será que o professor, tão confiável, tão
respeitado e até então tão "comum" é realmente homossexual? E se o é, o
que será de sua desesperada noiva? Para responder tais questões, chegam à
cidade uma horda de jornalistas sensacionalistas - liderados por Peter
Malloy (Tom Selleck), que também tem seus segredos - e até Cameron
Drake, que volta à Greenleaf para tentar ajudar seu querido professor a
livrar-se da encrenca em que ele o meteu.
Feliz
como poucas comédias de sua época - que apelavam para o humor
escatológico ou politicamente incorreto em excesso como forma de forçar o
riso - "Será que ele é?" cativa por ser quase ingênuo em sua abordagem
da homossexualidade, suavizando sua abordagem de maneira a não soar
ameaçadora ao público médio ao mesmo tempo em que respeita a comunidade
gay sem jamais fazer do assunto uma piada rasa ou babaca. Talvez por
isso o filme tenha se tornado um inesperado sucesso de bilheteria,
rendendo mais de 60 milhões de dólares somente no mercado americano em
um período relativamente morno para os estúdios - o que acabou
empurrando o filme também para os tapetes vermelhos das premiações: na
pele da apavorada Emily Montgomery, que vê seu casamento ficar ameaçado
com as suspeitas a respeito do noivo, a sensacional Joan Cusack foi
eleita a melhor atriz coadjuvante do ano pelos críticos de Nova York e
chegou a concorrer ao Golden Globe e ao Oscar na mesma categoria,
confirmando um histrionismo revelado no final dos anos 80, em filmes
como "Nos bastidores da notícia" e "Uma secretária de futuro", que
inclusive lhe deu também uma indicação à estatueta da Academia. Seu
trabalho impecável - realçado por seu rosto que se presta a inúmeras
nuances cômicas e dramáticas - é o par ideal para Kevin Kline, um ator
completo e versátil que transmite toda a complexidade de seu personagem
sem precisar recorrer a excessos. Quando eles vem, porém, em necessidade
do roteiro, são deliciosamente precisos: é impossível manter-se sério,
por exemplo, na cena em que Howard ouve uma fita que ensina os homens a
serem machos e precisa se controlar para não cair na dança ao ouvir "I
will survive". Clichê? Sim. Previsível? Lógico. Mas é também
engraçadíssimo como poucos momentos do cinema americano dos anos 90.
Outra
qualidade que faz de "Será que ele é?" uma comédia acima da média é a
quantidade de boas piadas espalhadas pelo roteiro, que encontra espaço
inclusive para uma mensagem pró-tolerância que, ao contrário de soar
hipócrita e incoerente, enfatiza o tom leve e alto-astral da trama, que
frequentemente deixa claro não levar-se a sério demais. Tal
característica é perceptível desde o princípio do filme - com a
participação especial de nomes como Glenn Close e Whoopi Goldberg como
elas mesmas - e vai ficando cada vez mais nítida conforme inúmeras
referências ao mundo gay vão pipocando nas telas, seja em forma de
piadas verbais ("Barbra Streisand era muito velha para Yentl", brada um
amigo de Brackett, para logo ser agredido pelo professor) ou até mesmo
na escalação certeira de Debbie Reynolds (ícone gay) para viver a mãe do
protagonista. Até mesmo a escolha de Tom Selleck - que sempre foi alvo
de constantes boatos sobre sua sexualidade - para interpretar o repórter
abelhudo que se interessa pela história de Brackett é um ponto
positivo, apesar de muitas vezes o ator não conseguir escapar de ser
ofuscado pelo brilhantismo de Kevin Kline.
Uma comédia
repleta de acertos, "Será que ele é?" é a prova cabal de que é possível
um filme ser engraçado, responsável e politicamente correto sem precisar
recorrer ao piegas ou ao escatológico. É dirigido com inteligência e
elegância, é interpretado com perfeito timing cômico e é principalmente
capaz de dar ao espectador o que ele procura: gargalhadas. Uma comédia
perfeita!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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