UM
PLANO SIMPLES (A simple plan, 1998, Paramount Pictures/Mutual Film
Company, 121min) Direção: Sam Raimi. Roteiro: Scott B. Smith, romance
homônimo de Scott B. Smith. Fotografia: Alar Kivilo. Montagem: Eric L.
Beason, Arthur Coburn. Música: Danny Efman. Figurino: Julie Weiss.
Direção de arte/cenários: Patrizia Von Brandenstein/Hilton Rosemarin.
Produção executiva: Mark Gordon, Gary Levinsohn. Produção: James Jacks,
Adam Schroeder. Elenco: Bill Paxton, Bridget Fonda, Billy Bob Thornton,
Gary Cole, Brent Briscoe. Estreia: 12/9/98 (Festival de Toronto)
2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Billy Bob Thornton), Roteiro Adaptado
Depois
de tornar-se um dos diretores mais cultuados do gênero terror com sua
trilogia "Evil dead" e poucos anos antes de conquistar as plateias do
mundo todo com os três filmes do Homem-aranha, o cineasta Sam Raimi
mostrou que também fica à vontade brincando com outros gêneros
cinematográficos ao assinar a direção de "Um plano simples", um drama de
suspense inteligente e surpreendente que se utiliza de uma situação
quase clichê - um grupo de pessoas vendo sua ética e honestidade postas à
prova diante de uma fortuna inesperada e não exatamente limpa - para
prender a atenção do público da primeira à última cena graças a uma
condução de atores discreta e eficaz e a um roteiro costurado com
precisão - e não injustamente indicado ao Oscar da categoria. Baseado em
um romance de Scott B. Smith cujos direitos foram comprados por Mike
Nichols em 1994, o filme passou pelas mãos de diversos cineastas - como
John Boorman e John Dahl - antes de finalmente chegar até Raimi, que
imprimiu a ele um tom pessimista e sério que destoava de sua obra até
então e pegou até mesmo os fãs de surpresa com sua violência crua e a
ausência total de sua marca registrada: o senso de humor negro.
Elegendo
como protagonistas dois irmãos não exatamente brilhantes
intelectualmente e a esposa grávida de um deles, o roteiro de "Um plano
simples" logo de cara mostra que seus personagens não são heróis, vilões
ou tampouco capazes de qualquer tipo de superação moral ou ética. Hank
Mitchell (Bill Paxton possivelmente no melhor desempenho de sua
carreira) trabalha como balconista de um armazém em uma pequena cidade
do interior dos EUA. Casado com Sarah (Bridget Fonda em papel oferecido à
Laura Dern) e à espera do primeiro filho, ele leva uma vida monótona e
sem maiores expectativas até o dia em que, junto com o irmão, Jacob
(Billy Bob Thornton, indicado ao Oscar de coadjuvante) e o melhor amigo,
Lou (Gary Cole), encontra um avião caído em uma reserva florestal
coberta de neve - e dentro dele, além do piloto morto, a pequena fortuna
de 4,4 milhões de dólares. Acreditando tratar-se do dinheiro sujo de um
resgate, o trio decide ficar com a grana, mas combinam escondê-la até
que seja seguro utilizá-la sem despertar suspeitas. Logicamente, porém,
as coisas não saem como o esperado: tanto Lou quanto Jacob tem pressa em
ficar com sua parte, o que acaba por precipitar uma série de incidentes
violentos que compromete a segurança e a liberdade de todos os
envolvidos no caso.
A
maior qualidade do texto de Smith - adaptado pelo próprio autor para as
telas - é a forma com que ele vai explorando paulatinamente o
crescimento do mal e da ganância dentro de pessoas até então tidas como
pacíficas e honestas. Sarah, por exemplo, como uma Lady Macbeth caipira,
vai minando a cabeça de Hank, sendo a autora da maior parte das ideias
que acabam por tornar suas vidas um pesadelo sangrento e cruel. Mesmo
grávida - e portanto, aparentando uma fragilidade que não existe - ela é
quem acaba por se tornar a mais fria e cerebral do grupo, a ponto de
ignorar os elos familiares que a unem a Jacob, um homem com problemas
mentais que tem por objetivo puro e simples reconstruir a fazenda dos
pais e recuperar os dias de paz de seu passado. Os empecilhos irônicos
postos diante dos protagonistas pelo roteiro e pela direção esperta e
dotada de ritmo próprio de Sam Raimi empurram "Um plano simples" em
direção a um final previsivelmente trágico, mas ainda assim consegue
fugir do óbvio ao evitar inteligentemente tanto o moralismo quanto o
cinismo. Seu desfecho, coerente e verossímil - artigos raros no cinemão
americano - pode não agradar a todos, mas é, inegavelmente, bem
construído e crível.
E se Billy Bob Thorton foi o único
ator do elenco a ser lembrado pela Academia - algo um tanto
questionável, uma vez que muitas vezes seu desempenho chega perto da
caricatura, como já havia acontecido com seu outro trabalho indicado ao
Oscar, "Na corda bamba" - vale destacar a qualidade da atuação de Bill
Paxton e Bridget Fonda, que seguram seus papéis com garra e dão a eles
uma diversidade de sentimentos que enriquece muito o argumento original.
Na pele de Hank e Sarah eles mostram o quanto o ser humano está
propenso a alterar seus princípios quanto posto diante de um dilema
moral tão fascinante e tentador. Sua humanidade é um ponto alto do filme
de Sam Raimi - e o que dá a ele uma transcendência inesperada a uma
obra de um gênero normalmente relegado a entretenimento barato.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
terça-feira
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