O
PRINCIPAL SUSPEITO (Nightwatch, 1997, Dimension Films, 101min) Direção:
Ole Bornedal. Roteiro: Ole Bornedal, Steven Soderbergh, roteiro
original de Ole Bornedal. Fotografia: Dan Laustsen. Montagem: Sally
Menke. Música: Joachim Olbeck. Figurino: Louise Mingenbach. Direção de
arte/cenários: Richard Hoover/Brian Kasch. Produção executiva: Cary
Granat, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Elenco: Ewan McGregor, Nick
Nolte, Josh Brolin, Patricia Arquette, Brad Dourif, John C. Reilly,
Lauren Graham. Estreia: 02/07 (Semana Internacional de Cinema Fantástico
de Málaga)
Mal-acostumado que é e extremamente
resistente a filmes legendados, o público norte-americano volta e meia
se vê "obrigando" produtores a traduzir à sua maneira produções
elogiadas e bem-sucedidas em seus países de origem. Muitas vezes, tal
transferência é um tiro no pé, com histórias interessantes e criativas
sendo diluídas por uma visão frequentemente pasteurizada e encaixada nos
padrões mais palatáveis ao gosto médio da plateia. De vez em quando,
porém, os produtores acabam fazendo as escolhas certas e conseguem
chegar bem perto do original, transmitindo a ideia principal de seus
criadores em filmes acima da média - ainda que nem sempre isso seja
certeza de uma receptividade positiva por parte da audiência. Um exemplo
claro disso é "O principal suspeito", refilmagem do suspense policial
"Nattevagten", lançado na Dinamarca em 1994. Dirigido pelo mesmo Ole
Bornedal da versão original, o filme estrelado por um Ewan McGregor
recém começando a navegar na onda do prestígio de suas colaborações com
Danny Boyle - a saber, "Cova rasa" e "Trainspotting, sem limites" -
estreou em um Festival Internacional de Cinema Fantástico na Espanha em
fevereiro de 1997, mas só foi chegar aos cinemas americanos mais de um
ano depois, rendendo pouco mais de um milhão de dólares nas bilheterias.
Seu fracasso ajudou na demora do filme em estrear no resto do mundo -
no Brasil só chegou em agosto de 1998 - e acabou com suas possibilidades
de ser reconhecido como um dos mais intrigantes filmes do gênero na
década.
McGregor, com o carisma que lhe é
característico, vive Martin Bells, um jovem estudante de Direito que,
para ajudar nas despesas e lhe dar tempo para estudar, arruma emprego
como vigia noturno de um necrotério. O que para muitos é uma função
apavorante, para ele acaba soando corriqueira depois das primeiras e
solitárias noites. O problema maior de seu novo trabalho é o fato de ele
estar no epicentro de um furacão: um serial killer violento tem matado
prostitutas e arrancado seus olhos, deixando a cidade em pânico e o
experiente inspetor Thomas Cray (Nick Nolte) duvidando de todos à sua
volta. Com os nervos à flor da pele, o jovem Martin acaba se tornando
suspeito dos crimes depois que uma brincadeira com seu melhor amigo,
James (Josh Brolin) o liga a uma das vítimas e, sem saber com quem
contar, ele perde também o apoio da namorada, Katherine (Patricia
Arquette) e passa a ser ameaçado de perder o emprego - especialmente
quando os cadáveres começam a lhe pregar sustos cada vez maiores.
Sem
fugir dos elementos mais tradicionais do suspense clássico, o diretor
Ole Bornedal transmite toda a tensão e a sensação de claustrofobia de
seu protagonista sem precisar recorrer a muitos artifícios. Apenas com
uma fotografia seca, uma edição de som inteligente e uma montagem que
surpreende justamente por ser simples e eficiente, ele assusta o
espectador e o conduz a uma trama instigante o suficiente para manter a
atenção até os minutos finais - que até escorregam no clichê, mas mesmo
assim de forma coerente. Espalhando pistas e suspeitos no decorrer da
trama - até mesmo o excelente Brad Dourif dá as caras como um médico que
trabalha no necrotério e não parece muito confiável - e sustentando
todos eles com atores em dias inspirados (Nick Nolte especialmente), "O
principal suspeito" convence até mesmo o mais escolado espectador. Sua
despretensão em soar moderno ou ultra-surpreendente conquista desde os
créditos iniciais - que dão o tom sombrio da narrativa - até o final, de
uma tensão palpável e empolgante.
É lógico que "O
principal suspeito", como entretenimento puro e simples, não tem
intenções outras que não divertir por pouco mais de uma hora e meia, o
que faz com extrema competência. Mas seu sucesso em alcançar notas tão
altas com elementos tão básicos mostra com clareza que o mais importante
em um filme não é um orçamento milionário, astros apáticos ou efeitos
visuais mirabolantes. A lição que o filme passa, com sua simplicidade
explícita, é que boas ideias e talento para colocá-las em prática são e
sempre serão primordiais na arte. Os sustos, no filme de Bornedal, são
francos e diretos - nada de gatinhos surgindo do nada ou cadeiras
rangendo - e funcionam justamente porque soam reais e próximos. Essa
tangência é o segredo do filme. Junto com o jeitão "gente como a gente"
de Ewan McGregor, ela transforma uma diversão ligeira em um perfeito
exemplar de refilmagem que supera o original.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
JADE
JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...
-
EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Osterg...
-
NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteir...
-
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (Presumed innocent, 1990, Warner Bros, 127min) Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: Frank Pierson, Alan J. Paku...
Nenhum comentário:
Postar um comentário