sexta-feira

DEUSES E MONSTROS

DEUSES E MONSTROS (Gods and monsters, 1998, LionsGate Films, 105min) Direção: Bill Condon. Roteiro: Bill Condon, livro "Father of Frankenstein", de Christopher Bram. Fotografia: Stephen M. Katz. Montagem: Virginia Katz. Música: Carter Burwell. Figurino: Bruce Finlayson. Direção de arte/cenários: Richard Sherman/James Samson. Produção executiva: Clive Barker, David Forrest, Stephen P. Jarchow, Beau Rogers. Produção: Paul Colichman, Gregg Fienberg, Mark R. Harris. Elenco: Ian McKellen, Brendan Fraser, Lynn Redgrave, Lolita Davidovich, David Dukes, Kevin J. O'Connor. Estreia: 21/01/98 (Festival de Sundance)

Indicado a 3 Oscar: Ator (Ian McKellen), Atriz Coadjuvante (Lynn Redgrave), Roteiro Adaptado
Vencedor do Oscar de Roteiro Adaptado
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz Coadjuvante (Lynn Redgrave) 

Para a maioria dos espectadores o nome James Whale talvez não signifique nada - ao menos para as novas gerações, cujo conhecimento de cinema clássico resume-se a obras mais tradicionais e consagradas com Oscars e presença constante nas listas dos maiores filmes de todos os tempos. Àqueles que conhecem os bastidores de Hollywood, porém, a menção a Whale remete a produções seminais do cinema de horror dos anos 30, em especial "Frankenstein" e "A noiva de Frankenstein", ambos estrelados por Boris Karloff e que foram pedra de base para o gênero, influenciando todas as gerações seguintes de cineastas do gênero. Afastado do cinema devido à sua assumida homossexualidade, o cineasta inglês morreu afogado na piscina de sua casa depois de um bom tempo com a saúde abalada por um leve derrame. A história de seus últimos meses - narrada de forma lírica e provavelmente repleta de licenças poéticas - é o tema de "Deuses e monstros", belíssimo drama de Bill Condon, que ganhou o Oscar de roteiro adaptado e deu a Ian McKellen uma merecidíssima indicação ao prêmio da Academia. Também abertamente gay, McKellen é a alma de uma obra que mescla, com raro equilíbrio, reminiscências pessoais, críticas ao sistema cruel de fazer cinema da época dos grandes estúdios e uma história de amor e desejo banhada em extrema melancolia.

Passada em 1957 - anos depois da glória de Whale, portanto - a história de "Deuses e monstros" começa quando o ex-cineasta, ainda em recuperação pelo derrame que o deixou aos cuidados de sua dedicada governanta Hannah (Lynn Redgrave, premiada com o Golden Globe e indicada ao Oscar de coadjuvante feminina), trava conhecimento com seu novo jardineiro, o jovem e atlético Clay Boone (Brendan Fraser em seu melhor desempenho até hoje). Atraído pelo rapaz, o veterano diretor oferece dinheiro para que ele pose para suas pinturas e surge entre eles uma espécie de amizade, frequentemente ameaçada pelas dúvidas de Clay a respeito das intenções de seu novo patrão. Alertado por Hannah da enorme diferença social e intelectual entre os dois, Whale não se deixa desanimar e passa a relatar ao jovem as memórias de sua infância e juventude, quando foi rejeitado pelo pai e partiu em busca da realização de seus desejos e talentos. A atração que sente por Boone, porém, pode por a amizade a perder.


Centrando-se basicamente na atuação extraordinária de Ian McKellen - que no mesmo ano brilhou também como um ex-nazista no suspense "O aprendiz", baseado em conto de Stephen King - Bill Condon conduz seu filme com extrema elegância, jamais apelando para a vulgaridade, nem mesmo na cena em que Whale tenta seduzir Clay depois de uma festa, que poderia soar como agressiva ou desconfortável. Graças ao meticuloso trabalho de McKellen, capaz de transmitir inúmeros sentimentos apenas com o olhar, seu personagem se torna menos ameaçador e mais digno de solidariedade, como um homem renegado de seu meio lutando pela sobrevivência e pela dignidade arrancada pelo preconceito de um mundo aparentemente isento deles. Nesse ponto é inteligente a forma como o roteiro transforma Boone de um homem simples e sem sofisticação intelectual no confidente de Whale, a pessoa que deflagra nele a corrente de lembranças que finalmente o liberta do passado e dá a ele alguns últimos momentos de felicidade na vida, ao contrário de seus pares, que lhe dão as costas simplesmente por causa de sua sexualidade. É fascinante também quando Condon mergulha o espectador nas memórias de seu protagonista, mostrando as filmagens de "A filha de Frankenstein" e presenteando a plateia com momentos de pura nostalgia e delicadeza de uma Hollywood no auge de sua criatividade - muita dela vindo da mente genial de Whale.

Ter dado o Oscar de melhor ator a Roberto Benigni em detrimento da premiação a McKellen - uma das maiores atrocidades já cometidas pela Academia em seus quase dois séculos de existência - apenas aumenta a aura de injustiça que percorre todos os minutos de "Deuses e monstros". Injustiça de Hollywood por alienar um grande talento, injustiça do público em esquecer um dos mais importantes artistas do cinema americano, injustiça do mundo em julgar um homem por suas diferenças. O filme de Bill Condon é um drama dos melhores: inteligente, sensível e brilhantemente escrito e interpretado. E se não bastasse tudo isso, tem Ian McKellen no papel de sua vida. Não é pouca coisa!

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