ANIMAIS
NOTURNOS (Nocturnal animals, 2016, Focus Features, 116min) Direção: Tom
Ford. Roteiro: Tom Ford, romance "Tony & Susan", de Austin
Wright. Fotografia: Seamus McGarvey. Montagem: Joan Sobel. Música: Abel
Korzeniowski. Figurino: Ariane Phillips. Direção de arte/cenários: Shane
Valentino/Meg Everist. Produção: Tom Ford, Robert Salerno. Elenco: Amy
Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon, Aaron Taylor-Johnson, Armie
Hammer, Laura Linney, Isla Fisher, Michael Sheen, Ellie Bamber, Karl
Glusman, Robert Aramayo, Jena Malone. Estreia: 02/9/16 (Festival de
Veneza)
Indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Michael Shannon)
Os
créditos de abertura de "Animais noturnos" - estranhos,
desconfortáveis, quase agressivos ao olhar - já preparam o espectador
para o que virá nas próximas duas horas: em seu segundo filme como
cineasta, o estilista Tom Ford não brinca em serviço e apresenta ao
público um dos mais claustrofóbicos estudos sobre a culpa e o desespero
produzidos por Hollywood nos últimos anos. Não quer dizer que seja
completamente bem-sucedido em tudo que ambiciona dizer, mas é preciso
reconhecer sua coragem em nadar contra a corrente do cinemão médio
americano e realizar uma obra tão perturbadora e ao mesmo tempo tão
visualmente atraente. Baseado no romance "Tony & Susan", de
Austin Wright, Ford forjou um exercício de estilo que equilibra lampejos
de brilhantismo com um ritmo claudicante que quase põe tudo a perder.
Calorosamente aclamado no Festival de Veneza - onde teve seus direitos
de distribuição comprados pelo valor recorde de 10 milhões de dólares - e
indicado a surpreendentes oito estatuetas no BAFTA (o Oscar britânico),
"Animais noturnos" não é nem a obra-prima que muitos aplaudem nem a
fraude que outros tantos denunciam: é um filme acima da média, mas com
sérios defeitos que o impedem de atingir a todas as notas a que se
propõe.
Alternando liberdade criativa e fidelidade à
sua fonte original, Tom Ford repete a estrutura do livro de Wright ao
mesmo tempo em que acrescenta outras nuances a uma trama já naturalmente
densa e repleta de simbolismos: a protagonista é Susan Morrow (Amy
Adams em mais uma interpretação extraordinária), dona de uma galeria de
arte sofisticada e bem frequentada. Casada com um executivo bonito e
igualmente bem-sucedido (Armie Hammer), ela não consegue deixar de lado
uma constante solidão, que se agrava com as viagens do marido e a
distância dos filhos. Em uma dessas crises de melancolia, ela recebe o
manuscrito de um livro escrito por Tony Hastings (Jake Gyllenhaal), com
quem foi casada anos antes, em uma relação que acabou de forma bastante
traumática. Junto com o livro, chega uma nota, onde Tony pede à
ex-mulher que o leia e dê sua opinião. Temerosa com as possíveis
intenções de Tony - que saiu do relacionamento extremamente magoado e
ofendido - ela inicia a leitura e se vê envolvida em uma história
repleta de uma inesperada violência.
No
livro de Tony, chamado "Animais noturnos", o protagonista é Edward
Sheffield (também interpretado por Gyllenhaal), um homem comum que, em
viagem de férias com a mulher e a filha adolescente, é abordado na
estrada por três desconhecidos que transformam sua vida em um pesadelo.
Tendo a família sequestrada e depois morta, Edward se une a um policial
da pequena cidade onde ocorreu o crime, Bobby Andes (Michael Shannon,
indicado ao Oscar de ator coadjuvante) - também passando por um grave
problema pessoal - para buscar justiça pelas próprias mãos. Seu
silencioso desespero encontra eco em Susan, que começa a perceber nas
entrelinhas do romance uma sórdida e sutil vingança do homem a quem
amava contra alguns dos acontecimentos que aceleraram sua separação.
Conforme o livro vai chegando ao seu final - e seu reencontro com Tony
se aproxima - a mulher segura e confiante vai dando lugar a uma outra,
triste e consumida por uma série de arrependimentos.
Como
todo artista consciente da força das imagens, Tom Ford faz de seus
"Animais noturnos" um show visual, graças à belíssima fotografia de
Seamus McGarvey e a direção de arte sofisticada de Shane Valentino. Mas,
mais do que simplesmente enfeitar a tela com uma cuidadosa seleção de
cores e contrastes, ele as utiliza como ferramentas para enfatizar
ideias e pensamentos, o que é, sem dúvida, um dos maiores méritos de seu
filme. Ao contrário de muitas obras que soam redundantes por não
confiar na potência dos enquadramentos e da edição, "Animais noturnos"
usa e abusa de silêncios e de pequenos detalhes que vão compondo o
quadro geral proposto pelo roteiro. Conforme vai iluminando a história
entre Susan e Edward - e de como ela é a base para o livro dele - o
cineasta vai também empurrando o público rumo à uma conclusão que, longe
de ser facilmente digerida, é igualmente brutal e desconcertante - o
que seria impossível sem o elenco impecável escolhido a dedo. Se Aaron
Taylor-Johnson (como um dos criminosos) saiu vencedor do Golden Globe e
Michael Shannon recebeu uma indicação ao Oscar, eles são apenas peões em
um jogo de xadrez comandado por dois atores em momentos brilhantes da
carreira: Jake Gyllenhaal e Amy Adams.
Em um
espetacular trabalho de interpretação, tanto Adams quanto Gyllenhaal
encaram o desafio de trazer à luz dois personagens complexos, ricos em
nuances e psicologicamente ambíguos de forma irretocável: enquanto Adams
(injustamente esquecida pelo Oscar também por seu trabalho arrebatador
em "A chegada") cria duas Susans distintas - um passado romântico e
sonhador e um presente carente e solitário - com uma coerência
impressionante, Gyllenhaal explora com meticulosidade um jovem repleto
de sonhos profissionais pouco práticos e um personagem criado na sua
imaginação, bem mais propenso a explicitar sua revolta através da
violência. O uso constante de metáforas e símbolos pode até excessivo em
determinados momentos, mas a garra do casal central de atores e a
maneira sutil com que conduzem seus personagens praticamente anula os
pecados do filme de Ford. Corajoso, inteligente e dono de uma
personalidade rara no cinemão, "Animais noturnos" também é exagerado,
pretensioso e de uma crueldade poética. Incoerências que fazem dele, no
mínimo, um filme muito interessante mesmo àqueles que não concordem com
seu estilo único.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
ANIMAIS NOTURNOS
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Um comentário:
Parabéns pelo blog,que só descobri agora...
Aguardando ansiosamente por mais postagens
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