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O HOMEM IRRACIONAL

O HOMEM IRRACIONAL (Irrational man, 2015, Gravier Productions, 95min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Darius Khondji. Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Suzy Benzinger. Direção de arte/cenários: Carl Sprague/Jennifer Engel. Produção executiva: Ronald L. Chez, Adam B. Stern, Allan Teh. Produção: Letty Aronson, Stephen Tenenbaum, Edward Walson. Elenco: Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey. Estreia: 15/5/15 (Festival de Cannes)

O método de trabalho de Woody Allen o preserva de um dos mais nocivos processos da indústria de Hollywood. Enquanto um filme seu é lançado e passa pelo longo e muitas vezes dolorido escrutínio da crítica e do público, ele já está mergulhado em outro projeto, a quilômetros de distância da obra anterior. É assim que sua carreira sobrevive firme e forte há mais mais de quatro décadas: sem deixar-se abalar pela recepção à sua vasta filmografia, que se divide entre pequenas obras-primas, filmes apenas corretos e alguns tropeços inquestionáveis. Pois foi saindo de um desses insucessos, o enfadonho "Magia ao luar" (2014) que Allen voltou a alguns de seus temas mais caros. Em "O homem irracional" ele mistura filosofia e literatura em uma trama de suspense que, assim como a maioria de seus trabalhos mais recentes, borra frequentemente a linha entre o bem e o mal de seu protagonista e surpreende a plateia com relevantes observações sobre a eterna discussão entre o certo e o errado. Não é estupendo como "Match point" (2005), mas significa vários passos adiante em relação a seu filme anterior - e é estrelado pela mesma Emma Stone.

Encantadora como sempre, Stone interpreta Jill Pollard, uma estudante de filosofia, brilhante e dedicada, que cai de amores pelo novo professor de sua universidade, o taciturno e misterioso Abe Lucas (Joaquin Phoenix exagerando na pose de pessimista de plantão). A fama de Lucas o procede quando ele chega à faculdade, mas ninguém sabe exatamente quais boatos a seu respeito são realmente verdadeiros. É verdade que seu melhor amigo morreu enquanto trabalhava em uma guerra? Foi esse mesmo amigo que lhe roubou a mulher e lhe jogou em uma profunda depressão? E sua reputação de mulherengo procede? Parece que sim, ou ao menos em parte, conforme Jill descobre com o tempo. Não apenas ela se apaixona por ele, a despeito de ter um namorado carinhoso, como tem que relevar o fato de que outra professora, Rita Richards (Parker Posey), não parece disposta a deixar o caminho livre para seu romance. Mesmo envolvido por Jill, porém, Lucas não consegue deixar de lado sua forma pouco agradável de ver a vida, até que um dia uma solução lhe aparece diante dos olhos: um assassinato que, a seu ver, vai ajudar a transformar o mundo em um lugar melhor. Mas será que essa maneira pouco ortodoxa de consertar o que está errado é justificável?


Quem é fã do cinema de Woody Allen vai ter muito a admirar em "O homem irracional", que apresenta sem disfarces muitas de suas características mais conhecidas, como os longos diálogos recheados de referências culturais sofisticadas e a extrema concisão no número de personagens e tramas paralelas. Concentrando todo seu foco nas relações de Abe Lucas com as duas mulheres que o cercam - e as consequências de suas ações aparentemente bem pensadas - o cineasta nova-iorquino mais uma vez explora a fascinante questão do crime como solução, mas, apesar das intenções ambiciosas, nem sempre atinge seu alvo. Talvez culpa da falta de carisma de Joaquin Phoenix, a falha do diretor em envolver o espectador de forma completa acaba por tornar seu filme uma espécie de ensaio de tudo o que realmente poderia ser. A ideia central é ótima, as reviravoltas são inteligentes e o final é imprevisível, mas existe uma apatia em seu protagonista que acaba por contagiar todo o resto da produção. Por mais que Emma Stone esteja ótima e Parker Posey brilhe em cada cena em que apareça, a ausência de empatia do espectador com o personagem central impede que a trama se torne ainda mais envolvente e praticamente anula o principal elemento do filme: a curiosidade sobre seu destino.

Ainda assim, "O homem irracional" apresenta muitas qualidades a serem apreciadas. Mestre em criar diálogos inteligentes e interessantes, Allen se utiliza de teorias filosóficas (de Kierkegaard a Hanna Arendt) para sublinhar os atos de seus personagens e lhes empresta características bastante humanas, ainda que por vezes esbarre na superficialidade. O filme também sofre com alguns problemas de ritmo, mas nada que atrapalhe o prazer que sempre é acompanhar os personagens neuróticos e brilhantes de um cineasta que, apesar da longevidade da carreira, ainda é capaz, ocasionalmente, de brindar o público com histórias fascinantes e relevantes. "O homem irracional" não se inscreve na lista de seus grandes filmes, mas é um entretenimento da qualidade que se espera de Woody Allen.

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