KING COBRA (King Cobra, 2016, Rabbit Bandini Productions, 91min) Direção: Justin Kelly. Roteiro: Justin Kelly, estória de Justin Kelly, D. Madison Savage, livro de Andrew E. Stoner, Peter A. Conway. Fotografia: Benjamin Loeb. Montagem: Joshua Raymond Lee. Música: Tim Kvanosky. Figurino: Matthew Simonelli. Direção de arte/cenários: Anastasia White/Christine Foley. Produção executiva: Brandon Baker, Edward Bass, Marla Lynn Brandon, Pichai Chirathivat, Michael Clofine, Matthew Helderman, Kim Jackson, Katie Leary, Jeffrey C. Leo, Joe Listhaus, Austin Renfroe, Jason Rose, Ron Simons, Luke Dylan Taylor, Jack Warner, Derek Zemrak. Produção: James Franco, Vince Jovilette, Scott Levenson, Jordan Yale Levine, Iris Torres. Elenco: Garrett Clayton, Christian Slater, James Franco, Alicia Silverstone, Keegan Allen, Molly Ringwald. Estreia: 16/4/16 (Tribeca Festival)
É difícil saber o que os realizadores de "King Cobra" esperavam fazer. Se sua intenção era criar um novo "Boogie nights: prazer sem limites" (97), retratando de forma crua os bastidores da indústria do cinema pornô, deram com os burros n'água, porque seu diretor e roteirista Justin Kelly não tem nem de longe o mesmo talento de Paul Thomas Anderson. Porém, se o objetivo era chegar aos limites do trash com uma produção apelativa e por vezes canhestra que emula o espírito do objeto de seu estudo (os filmes de sexo explícito), pode-se dizer que fez um gol de placa. Produzido por James Franco - que se envolve muitas vezes em produções de gosto muitíssimo duvidoso - e sem medo de chocar ou surpreender o espectador (nem sempre de forma positiva), o filme é no mínimo curioso, mas dificilmente pode ser considerado bom cinema, ainda que sua coragem já lhe dê certa vantagem em uma indústria cada vez menos ousada, especialmente quando se trata de histórias gays.
Baseado em fatos reais contados em um livro de Andrew Stoner e Peter A. Conway, "King Cobra" acompanha os acontecimentos que levaram ao assassinato, em 2007, de Bryan Kocis, dono da Cobra Videos, especializada em filmes pornôs direcionados ao público homossexual masculino. Rebatizado como Stephen no filme dirigido por Justin Kelly, o empresário é vivido por Christian Slater em uma atuação corajosa e desprovida de tiques que pode ser considerada, sem medo, a melhor de sua carreira. Stephen é mostrado no filme como um homem comum, respeitado pela vizinhança e amado pela família mas que esconde de todos a real origem de sua vida confortável: como produtor de vídeos de sexo explícito, ele não apenas ganha dinheiro o suficiente para manter seus luxos mas também conhece rapazes com quem pode saciar seus desejos sexuais. É essa a relação que ele começa com o jovem Sean (Garrett Clayton), que se torna um dos mais populares astros de sua produtora, com o pseudônimo de Brent Corrigan. A relação entre eles - prejudicada pelo fato de Stephen querer dominar o rapaz de todas as formas possíveis - aos poucos começa a ficar complicada, e é aí que entram em cena os elementos catalisadores de toda a tragédia.
Garoto de programa agenciado pelo próprio namorado Joe (James Franco), o ambicioso Harlow (Keegan Allen) logo descobre, através do grande sucesso de Corrigan, que produzir seus próprios vídeos pode ser um meio fácil de sustentar a vida de excessos que a dupla leva. Aproveitando-se da vontade do jovem Corrigan em assumir o controle da sua vida, a dupla resolve tentá-lo com uma proposta tentadora - mas Stephen surge no meio do caminho, atrapalhando seus negócios. Uma reviravolta na história (relacionada ao contrato assinado pelo rapaz com o produtor) encaminha tudo para a violência e o crime. Nessa hora, é preciso dizer, o roteiro de Kelly é particularmente feliz, contando sua história sem apelar para os malabarismos narrativos que destruíram "Crimes em Wonderland" (2003), que falava sobre a decadência do ator pornô John Holmes (Val Kilmer). Mudando o tom chulo de sua primeira metade - que apresenta cenas de sexo filmadas sem glamour e de uma crueza admirável, ainda que questionável do ponto de vista estético - ele passa a apontar de forma simples e direta os motivos que levaram à trágica morte de Stephen/Bryan. É incômodo e desconfortável em muitos momentos, mas de certa forma, sua sinceridade acaba por amenizar seus defeitos visuais e transformá-los em estilo narrativo.
Não é difícil perceber, no entanto, que alguns defeitos de "King Cobra" são duros de engolir. O maior deles é a falta de carisma e talento do protagonista Garrett Clayton, que parece ter assumido o tom canastrão de seu personagem mesmo quando suas cenas não lhe exigem tal desempenho. Sua apatia fica ainda mais nítida quando comparada com a forma quase febril com que seus companheiros de elenco encaram o roteiro, em especial os atores mais conhecidos do elenco, Christian Slater (deixando definitivamente para trás o status de símbolo sexual adolescente dos anos 80) e James Franco (corajosamente brincando com sua imagem de bom moço). Com sequências que beiram o exagero sendo constantemente jogadas na tela (aparentemente sem critério mas que no fundo fazem parte de um conjunto doentiamente coerente), o filme acaba por assumir, quase sem querer, o status de cult - uma obra que, através dos excessos e da crueza visual e temática, pode vir a encontrar seu público junto a espectadores que buscam alternativas à pasteurização hollywoodiana mesmo que (e talvez exatamente por isso) elas quebrem seus paradigmas narrativos e estéticos. Além do mais, quase como um bônus, o elenco de "King Cobra" ainda traz outras surpresas, como Molly Ringwald (a garota de rosa shocking em pessoa) na pele da irmã de Stephen, e Alicia Silverstone como a mãe (?!) de Garrett. Não é um filme para qualquer público - pode chocar aos mais sensíveis - mas merece uma conferida por sua coragem em afrontar tudo que se espera de um filme com pretensões comerciais. Aplausos pela ousadia.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
sexta-feira
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