LOVING
(Loving, 2016, Raindog Films/Big Beach Films, 123min) Direção e
roteiro: Jeff Nichols. Fotografia: Adam Stone. Montagem: Julie Monroe.
Música: David Wingo. Figurino: Erin Benach. Direção de arte/cenários:
Chad Keith/Adam Willis. Produção executiva: Jared Ian Goldman, Brian
Kavanaugh-Jones, Jack Turner. Produção: Nancy Buirski, Ged Doherty,
Colin Firth, Sarah Green, Peter Saraf. Elenco: Joel Edgerton, Ruth
Negga, Will Dalton, Alano Miller, Chris Greene, David Jensen, Nick
Kroll, Matt Malloy, Michael Shannon. Estreia: 16/5/16 (Festival de
Cannes)
Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Ruth Negga)
Vai
entender a Academia: no mesmo ano em que colocou na seleta lista dos
indicados a melhor filme o formulaico "Estrelas além do tempo",
praticamente ignorou o poderoso "Loving", também uma história real sobre
preconceito racial e infinitamente mais tocante e corajoso em suas
denúncias. Inspirado em documentário de 2011 chamado "The Loving Story" -
dirigido por Nancy Buirski - e ovacionado de pé no Festival de Cannes
de 2016, o filme de Jeff Nichols arrebatou uma solitária indicação ao
Oscar (melhor atriz), o que não reflete sua qualidade e delicadeza.
Conduzido com seriedade e respeito pelo cineasta, cujo currículo inclui
os independentes "O abrigo" (2011) e "Amor bandido" (2012), a história
de amor e sofrimento de um casal cujo único crime foi se amar e
construir uma família emociona sem escorregar no dramalhão, contando
apenas com as devastadoras atuações de seu par central de atores, Joel
Edgerton e Ruth Negga, para conquistar a plateia.
A
história começa em 1958, quando o pedreiro Richard Loving (Joel Edgerton
em desempenho indicado ao Golden Globe e injustamente ignorado pelo
Oscar) e sua namorada grávida, Mildred (Ruth Negga) saem de sua pequena
cidade da Virginia para oficializarem sua relação em Washington. A
alegação do rapaz é que na capital do país a burocracia é menor, mas a
verdade é que em 24 estados americanos, o casamento interracial ainda
era considerado crime - inclusive em sua região. Mesmo tentando esconder
seu novo estado civil por medo de represálias, o casal é descoberto
através de uma denúncia, e depois de passar dias na cadeia sem direito à
fiança que libertou seu marido logo após a prisão, Mildred é condenada a
um ano de prisão - pena que pode ser suspensa se ela concordar em ficar
longe do estado por um mínimo de 25 anos. Acuado, o casal decide viver
em Washington para evitar a pena, mas, acostumado a conviver em uma zona
rural, sofre para adaptar-se a um novo estilo de vida. É somente anos
mais tarde - e depois de um acidente com um dos seus três filhos - que
Mildred resolve desafiar a lei e voltar para casa. Os anos 60 já estão
sendo marcados pela luta pelos direitos civis, e ela conta com a ajuda
do advogado Bernie Cohen (Nick Kroll) para ir até a Suprema Corte e
garantir a igualdade prevista na Constituição.
O
tom impresso por Jeff Nichols em seu filme é de sobriedade e discrição,
um quase sussurro que reflete com exatidão a serenidade com que os
protagonistas enfrentam seus dissabores. Apostando bem mais no silêncio
do que em diálogos exaltados, o roteiro do próprio diretor encontra
sustentação no trabalho fabuloso de seus atores. Vivendo personagens com
dificuldade de expressar através de palavras todo o turbilhão que se
passa em seu interior, tanto Joel Edgerton quanto Ruth Negga dão aulas
de sutileza e expressão corporal a cada cena. Ele - no melhor trabalho
de sua carreira - transmite toda a dor e impotência de seu Richard
através de seu olhar triste e frustrado, que se transforma em fonte de
coragem e carinho sempre que está ao lado da esposa. Ela, indicada ao
Oscar com justiça, constrói uma Mildred Loving minuciosamente,
utilizando o corpo e a voz para dar vida a uma mulher cuja coragem
afrontou o preconceito da sociedade escorada unicamente no amor que
sentia pelo marido e na certeza de que estava lutando por seus direitos.
É interessante como Nichols respeita a personalidade dos dois
protagonistas, não cobrindo-os de laivos heroicos ou tratando-os como
pessoas maiores que a vida: o casal Loving era formado por um homem e
uma mulher normais, com baixo grau de instrução e de uma classe social
que lhes proporcionava apenas o essencial, mas lutou com unhas e dentes
por seu amor e sua liberdade. Esse heroísmo é o que interessa ao
cineasta, um heroísmo cotidiano que se torna, graças a seu olhar
generoso, material de um filme essencial.
Filmado e
editado de forma convencional, "Loving" é um filme que se torna
grandioso não por sua linguagem, mas por seu tema e seus personagens.
Confiando totalmente na história que tinha em mãos e em sua dupla de
atores centrais - e sendo muito bem recompensado por isso - Jeff Nichols
oferece à plateia um filme simples, mas jamais simplório, a respeito de
um assunto que nunca se tornará ultrapassado, especialmente em tempos
sombrios como os atuais, em que a sombra do fascismo e da xenofobia se
debruçam sobre parte do Ocidente. A inspiradora história do casal Loving
deu origem a um dos mais importantes filmes da temporada 2016,
valorizado pela dedicação de seu elenco e pela delicadeza de retratar
sem pieguices ou lições de moral um dos mais importantes capítulos da
história dos Direitos Civis nos EUA. Bravo!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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