ESTRELAS
ALÉM DO TEMPO (Hidden figures, 2016, Fox 2000 Pictures, 127min)
Direção: Theodore Melfi. Roteiro: Allison Schroeder, Theodore Melfi,
livro de Margot Lee Shetterly. Fotografia: Mandy Walker. Montagem: Peter
Teschner. Música: Benjamin Wallfisch, Pharrell Williams, Hans Zimmer.
Figurino: Renee Ehrlich Kalfus. Direção de arte/cenários: Wynn
Thomas/Missy Parker. Produção executiva: Jamal Daniel, Kevin Halloran,
Ivana Lombardi, Margot Lee Shetterley, Mimi Valdes, Renee Witt.
Produção: Peter Chernin, Donna Gigliotti, Theodore Melfi, Jeno Topping,
Pharrell Williams. Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle
Monáe, Kevin Costner, Kirsten Dunst, Mahershala Ali, Jim Parsons.
Estreia: 25/12/16
3 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer), Roteiro Adaptado
Depois
de uma polêmica bastante justa em relação à ausência de artistas negros
entre os indicados ao Oscar 2016, parece que a Academia de Hollywood
finalmente abriu os olhos em relação à diversidade de sua indústria: em
2017, escolheu três filmes com temática racial para fazer parte de sua
seleta lista de indicados ao prêmio principal. Um deles, "Moonlight: sob
a luz do luar", merece todos os elogios e a estatueta que acabou com os planos de "La La Land: cantando estações". Outro, "Um limite entre nós",
dirigido e estrelado por Denzel Washington - talvez o maior ator negro
em atividade - é uma adaptação fiel, e portanto um bocado limitada, de
uma peça teatral, mas tem ele e Viola Davis no elenco, o que sempre vale
o espetáculo. No entanto, é difícil achar que "Estrelas além do tempo"
não foi selecionado apenas por seu tema. Repleto de clichês, dirigido
sem inspiração e com sérios problemas de foco, o filme de Theodore Melfi
chegou a ganhar o prêmio máximo do Sindicato de Atores (melhor elenco),
mas se ressente justamente de não dar a esse mesmo elenco um material
menos previsível e piegas.
Assim como
aconteceu com "Histórias cruzadas" (2011), de Tate Taylor, "Estrelas
além do tempo" fez enorme sucesso de bilheteria, chegou a finalista do
Oscar e tem Octavia Spencer entre seus ótimos atores (ela ganhou a
estatueta de coadjuvante pelo filme de Taylor e repetiu a indicação
aqui). Mas, também como "Histórias cruzadas" apela para um popularismo
que, se agrada em cheio ao público médio, o distancia de ser um grande
filme. Com uma história fascinante em mãos, e personagens ricas para
explorar, o roteiro prefere optar pelo caminho mais fácil, minando ao
máximo todas as poderosas nuances que sua história de superação e força
poderia ter. No final das contas, entrega um filme correto, sem arestas e
de óbvia relevância política e social, mas perde a chance de ser
inesquecível como cinema. Com uma narrativa clássica - quase preguiçosa -
Melfi parece não acreditar na potência da imagem, reiterando
constantemente o que é dito e repetido, como a insistência em mostrar as
placas de "COLORED" (negros) toda vez que precisa sublinhar ainda mais
os fatos de racismo que ocorrem na trama. Essa aparente falta de
confiança na inteligência do público, porém, é o que menos incomoda: o
pior é a nítida sensação de que o roteiro não sabe exatamente qual a
história que pretende contar.
Se
não, vejamos: a trama se passa em 1961, quando os EUA e a União
Soviética disputavam a primazia na corrida espacial. Suas protagonistas
são três amigas, negras, que, apesar da brilhante inteligência, são
consideradas peças menos importantes do jogo. Todas trabalham na NASA,
mas são separadas de todos os colegas brancos e seu local de trabalho é
uma sala especial - assim como o banheiro que são autorizadas a usar e o
café que podem tomar. Quando uma delas, Katherine Goble (Taraji P.
Henson, a melhor em cena) é chamada para trabalhar na equipe liderada
por Al Harrison (Kevin Costner), ela acredita que seu talento para
geometria analítica finalmente será reconhecido por seus semelhantes,
mas, apesar da atenção de Harrison, percebe que continua sendo tratada
como alguém inferior somente por sua raça. Enquanto isso, Dorothy
Vaughan (Octavia Spencer) luta para convencer sua chefe, Vivian Mitchell
(Kirsten Dunst), a lhe promover a supervisora das demais computadoras,
já que falta-lhe apenas o status e o salário para tal, uma vez que faz
todo o trabalho referente ao cargo - obviamente, suas ambições são
tratadas com quase desprezo. E por fim, Mary Jackson (a cantora Janelle
Monáe, começando bem a carreira), encorajada por sua inteligência e por
sua coragem, resolve tornar-se a primeira negra a cursar a Faculdade de
Engenharia, entrando na Justiça para garantir seus direitos.
É
uma história encorajadora, inspiradora e emocionante, especialmente
quando contextualizada - tanto no início dos anos 60, quando a tensão
racial era ainda mais explícita na sociedade americana, quanto nos dias
de hoje, com a onda de conservadorismo e fascismo ameaçando cada vez
mais. Porém, "Estrelas além do tempo" perde o foco diversas vezes em sua
narrativa, desviando a atenção de suas protagonistas para sequências
desnecessariamente longas sobre problemas da NASA - que combinam com
filmes como "Apollo 13" (95), mas que soam completamente deslocadas aqui
- ou questões domésticas que diluem a força da mensagem. Dando a
impressão de não confiar totalmente na empatia inerente de suas
protagonistas, o roteiro faz questão de sublinhar cada momento de maior
tensão racial que surge na trama, mas jamais se aprofunda na discussão,
mantendo-se sempre na superficialidade que mais apetece à plateia média.
Mais uma vez se assemelha com "Histórias cruzadas", um filme sobre
negros feito para agradar ao público branco. "Estrelas além do tempo" se
ressente de uma contundência maior, de um engajamento maior e menos
óbvio. É um passatempo digno graças a seu excelente elenco e a suas
protagonistas brilhantes, mas está longe de ser tão bom quanto muitos
fizeram acreditar.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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