quarta-feira

O QUE VIER

O QUE ESTÁ POR VIR (L'avenir, 2016, Les Films du Losange, 102min) Direção e roteiro: Mia Hansen-Love. Fotografia: Denis Lenoir. Montagem: Marion Monnier. Figurino: Rachel Raoult. Direção de arte: Anna Falguères. Produção: Charles Gillibert. Elenco: Isabelle Huppert, André Marcon, Roman Kolinka, Edith Scob. Estreia: 13/02/16 (Festival de Berlim)

Que Isabelle Huppert é uma das maiores atrizes francesas de sua geração não é segredo para nenhum fã de cinema que acompanha os festivais internacionais desde o final dos anos 70, quando ganhou sua primeira Palma de Ouro no Festival de Cannes pelo filme "Violette" (78). Indicada dezesseis vezes ao César (o Oscar francês) e premiada com a estatueta em 1996, por "Mulheres diabólicas", ela teve seu enorme talento finalmente revelado ao grande público em 2016, quando arrebatou um Golden Globe e uma merecida indicação ao Oscar por seu irretocável desempenho em "Elle". Por mais que seu trabalho no filme de Paul Verhoeven seja sensacional, no entanto, ele foi apenas parte de um ano glorioso, que também mostrou às plateias outra atuação digna de prêmios. Em "O que está por vir", escrito e dirigido por Mia Hansen-Love, ela também encantou a crítica e causou um arrastão de prêmios - em Los Angeles, Nova York e Londres ela saiu vitoriosa, por sua capacidade de dar vida tanto à vítima de abuso sexual do filme homenageado pela Academia quanto à professora que tem sua vida comum transformada por uma série de pequenos dramas familiares.

Inspirada pela vida de sua própria mãe, Hansen-Love constrói um filme tipicamente francês, com tudo que isso tem de bom e de ruim. Da profissão da protagonista - professora de filosofia - até a forma com que ela encara os desafios que são postos diante de si - com muita conversa e poucas lágrimas - tudo em "O que está por vir" trai sua origem. Por esse motivo, é difícil imaginar outra atriz mais adequada ao papel principal do que Huppert, que não hesita em explorar todas as suas nuances dramáticas para retratar o desespero e a melancolia de uma mulher que percebe que todas as coisas que pensava estar sob controle estão desmoronando à sua volta. Com simples olhares e entonações de voz, ela comanda uma orquestra de emoções internas, como um espetáculo minimalista cuja principal matéria-prima é a vida como ela é, sem maiores sobressaltos ou reviravoltas mirabolantes.


A protagonista é Nathalie Chazeaux, uma dedicada e experiente professora de filosofia, que encanta aos alunos com sua inteligência e carisma. Bem-casada e mãe de dois filhos universitários, ela passa os dias lidando com as exigências da carreira docente e os cuidados com a mãe, Yvette (Edith Scob), que recusa a ideia de ser internada em um abrigo para idosos doentes mesmo estando com a saúde bastante debilitada. Admirada e referência para antigos alunos, como o jovem Fabien (Roman Kolinka), Nathalie subitamente começa a ver seu mundo aparentemente perfeito ruir diante de seus olhos: seu marido, Heinz (André Marcon), lhe comunica que tem uma amante e que está apaixonado por ela. Sua mãe tem o estado de saúde agravado. E seu último refúgio, o trabalho, passa a ser ameaçado por novas propostas educacionais - que lhe consideram obsoleta e ultrapassada diante das novas formas de pensar a filosofia. Depois que sua mãe morre, ela redescobre a liberdade, mas não sabe exatamente o que fazer com ela.

Em ritmo contemplativo, suave e delicado como sua protagonista, "O que vier" é, ao mesmo tempo, uma ode ao futuro e um olhar melancólico para o passado. Mia Hansen-Love imprime em cada cena um tom de tranquilidade que se aproveita das belas paisagens de Paris e do interior da França como moldura para as transformações pelas quais passa Nathalie. Antiga defensora de ideias libertárias e de esquerda e na meia-idade uma mulher mais acomodada com a vida burguesa (ou apenas mais madura e consciente de suas escolhas de vida), ela encontra confronto mais com as discussões idealistas com o ex-aluno Fabien do que com o ex-marido adúltero - uma forma nítida da cineasta em mostrar que, para Nathalie, importa mais a força e a vitalidade da juventude do que os esqueletos de um passado que não volta mais. Uma personagem forte e determinada, Nathalie é uma das mais leves criações da carreira de Isabelle Huppert - um gol feito em parceria com a direção discreta de Hansen-Love, que jamais descamba para o dramalhão lacrimoso mesmo quando tudo aponta para soluções melodramáticas e excessivas. "O que vier" é um filme para quem gosta do bom cinema francês - aqueles que não conseguem encantar-se com seu ritmo próprio, portanto, devem evitá-lo. Ainda que Huppert valha qualquer sacrifício.

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