segunda-feira

A QUALQUER CUSTO

A QUALQUER CUSTO (Hell or high water, 2016, Film 44/OddLot Entertainment/Sidney Kimmel Entertainment, 102min) Direção: David Mackenzie. Roteiro: Taylor Sheridan. Fotografia: Giles Nuttgens. Montagem: Jake Roberts. Música: Nick Cave, Warren Ellis. Figurino: Malgosia Turzanska. Direção de arte/cenários: Tom Duffield/Wilhelm Pfau. Produção executiva: Braden Aftergood, Bill Lischak, Michael Nathanson, John Penotti, Gigi Pritzker, Rachel Shane, Bruce Toll. Produção: Peter Berg, Carla Hacken, Sidney Kimmel, Julie Yorn. Elenco: Chris Pine, Ben Foster, Jeff Bridges. Estreia: 16/5/16 (Festival de Cannes)

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Jeff Bridges), Roteiro Original, Montagem

Quando "A qualquer custo" estreou, na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2016, foi impossível não perceber a influência do cinema dos irmãos Coen - mais especificamente de "Onde os fracos não tem vez" (2007) - na narrativa proposta pelo roteirista Taylor Sheridan e pelo diretor David Mackenzie. Longe de ser um ponto negativo no filme, a homenagem (talvez involuntária, talvez proposital) acaba por ser um trunfo a mais em uma produção barata (custou 12 milhões de dólares, menos do que o salário dos grandes astros de Hollywood) que foi conquistando o público aos poucos e que, com a ajuda da crítica especializada, terminou a temporada disputando o Oscar em quatro categorias, incluindo melhor filme e ator coadjuvante (Jeff Bridges totalmente à vontade). Bem-humorado, ágil e emocionante na medida certa, é um bem azeitado misto de western moderno e comédia dramática que ainda encontra tempo para uma contundente crítica ao sistema financeiro norte-americano, cada vez mais dominado pelas instituições bancárias.

Os protagonistas da trama são dois irmãos de temperamentos opostos: o mais velho, Tanner (Ben Foster), é impulsivo, irresponsável e acaba de sair da prisão; o mais novo, Toby (Chris Pine), amarga uma separação traumática, o afastamento dos filhos e um período de sofrimento enquanto cuidava da mãe doente. Para pagar as dívidas da fazenda herdada e apaziguar os ânimos da ex-mulher, Toby aceita fazer parte do plano de seu irmão e assaltar uma série de bancos do interior do Texas. No meio do caminho, eles passam a ser caçados pelo dedicado Marcus Hamilton (Jeff Bridges), que, ao lado do parceiro indígena, Alberto Parker (Gil Birmingham), embarca em uma incansável busca pelo paradeiro dos dois jovens, que aproveitam sua odisseia pessoal para reafirmarem seus laços familiares, prejudicados pelo longo processo de doença de sua mãe e pela prisão de Tanner.


O roteiro de Taylor Sheridan é um primor de concisão e objetividade, que não apela para tramas paralelas desnecessárias nem tampouco cria coadjuvantes supérfluos: tudo que apresenta desde seu primeiro minuto é crucial para o desenvolvimento da história que se propõe a narrar, inclusive os personagens que cruzam o caminho dos protagonistas (um tom quase surreal que também lembra muito o estilo dos irmãos Coen). Indicado ao Oscar em sua categoria, Sheridan mistura elementos de faroeste moderno com visual e ritmo de road movie, apoiando-se basicamente no talento de seus atores para conquistar a plateia. Para sua sorte, a direção de David Mackenzie acerta o tom com extrema habilidade, entregando a responsabilidade a um elenco nitidamente confortável em seus papéis. Se Jeff Bridges brinca como nunca na pele do policial no encalço dos irmãos assaltantes - seus diálogos com o parceiro são sensacionais - e Ben Foster comprova sua capacidade ilimitada de entregar-se de corpo e alma a seus trabalhos, é Chris Pine quem mais surpreende, inundando de humanidade e sensibilidade um personagem que é, talvez, o mais importante de sua carreira, normalmente focada em produções mais comerciais e menos independentes. É seu personagem o elo do filme com o público, e o ator consegue transmitir toda as nuances exigidas sem apelar para excessos. Um grande acerto.

Sem evitar a violência necessária - mas cuidando para que ela não seja o ponto crucial do filme - Mackenzie constrói o suspense de "A qualquer preço" através dos atos de seus personagens, todos plenamente cientes das consequências de suas ações. Mesmo que talvez seja previsível que algo trágico vá acontecer no final do caminho (afinal trata-se de um conto sobre trangressões morais e legais como forma de remediar injustiças, o que nunca acaba em final totalmente feliz), o roteiro toma o cuidado de não ser óbvio ou explícito demais, passando sua mensagem de maneira direta e clara, sem subestimar a inteligência da plateia ou saturá-la com discursos panfletários. É um filme que entrega à audiência exatamente aquilo que promete - e até um pouco mais, se for levado em consideração o alto grau de qualidade de seu elenco, muito acima do chamado do dever. Um dos grandes filmes da temporada 2016, mesmo que em formato discreto e despretensioso.

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