OS GRITOS DO SILÊNCIO (The killing fields, 1984, Goldcrest Films International, 141min) Direção: Roland Joffé. Roteiro: Bruce Robinson. Fotografia: Chris Menges. Montagem: Jim Clark. Música: Mike Oldfield. Figurino: Judy Moorcroft. Direção de arte/cenários: Roy Walker. Produção: David Puttnam. Elenco: Sam Waterston, Haing S. Ngor, John Malkovich, Julian Sands, Craig T. Nelson. Estreia: 02/11/84
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Roland Joffé), Ator (Sam Waterston), Ator Coadjuvante (Haing S. Ngor), Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem
Vencedor de 3 Oscar: Ator Coadjuvante (Haing S. Ngor), Fotografia, Montagem
Vencedor do Golden Globe de Ator Coadjuvante (Haing S. Ngor)
Alguns críticos reclamaram de sentimentalismo, mas é inegável que a utilização da bela "Imagine", do cantor John Lennon na cena final de "Os gritos do silêncio" é um choque dos mais bem-vindos: sua letra utópica e sua melodia delicada fazem um contraste sublime com a violência, a dor e o desespero mostrados pelo cineasta Roland Joffé em quase duas horas e meia de duração. Um comentário otimista à dureza da história contada, a música do ex-beatle encerra uma jornada das mais intensas do cinema da década de 80, um grito contra a guerra e suas consequências nefastas e um filme que justificou plenamente - em termos cinematográficos - todos os elogios e prêmios que conquistou, incluindo as sete indicações ao Oscar e suas três merecidas estatuetas. Uma história real escrita pelo jornalista Sydney Schanberg e adaptada para as telas por Bruce Robinon, "Os gritos do silêncio" ainda mantém sua força de denúncia e sua grande capacidade de emocionar - em especial graças à honestidade que emana de cada uma de suas sequências.
Nitidamente apaixonado pela história de seu primeiro longa-metragem - e que já havia sido cobiçada por ninguém menos que Stanley Kubrick -, Roland Joffé mergulha sem reservas em um pesadelo claustrofóbico, adiantando em alguns anos o que Oliver Stone faria com seus filmes sobre a Guerra do Vietnã (e, sem dourar a pílula, escancarando um dos mais sangrentos e dolorosos episódios do século XX). Com uma narrativa crua e direta, Joffé abandona o lirismo de Francis Ford Coppola e seu "Apocalypse now" (79) para criar, com a ajuda da oscarizada fotografia de Chris Menges, um filme que trai seu passado de documentarista e suas preocupações político-sociais através de um visual sujo, realista e sem retoques. O público até pode demorar a embarcar na viagem - seu primeiro ato não deixa de ser um tanto confuso, justamente para dar a sensação de urgência e desespero dos personagens -, mas depois que isso acontece é impossível ficar indiferente. "Os gritos do silêncio" é uma obra repleta de grandes acertos - e os maiores estão diante do espectador, nas figuras inesquecíveis de seus atores principais, Sam Waterston e Haing S. Ngor.
Praticamente desconhecido à época do lançamento, Waterston foi uma aposta ousada e corajosa do diretor e seu produtor, David Puttnam, que desafiaram o desejo do estúdio de ter um astro de maior popularidade encabeçando o elenco. Nomes dispostos a encarar o desafio não faltavam: Dustin Hoffman, Roy Scheider e Alan Arkin foram alguns dos atores interessados, mas todos eles acabavam desistindo diante dos perigos que poderiam correr durante as filmagens na Tailândia - na verdade, perigos devidamente ampliados por Joffé e Puttnam como forma de desencorajar os intérpretes que poderiam ameaçar sua escolha por Waterston. No final das contas, a aposta deu muito certo - em um trabalho discreto mas extremamente eficaz, Waterston é capaz de transmitir toda a vasta gama de emoções de seu personagem (coragem, medo, indignação, remorso, orgulho, saudade) sem precisar apelar para excessos de qualquer tipo. Sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Oscar e ao Golden Globe - e um dos papéis mais consistentes de sua carreira. Na pele do jornalista Sydney Schanberg, correspondente do New York Times na Guerra do Camboja do começo dos anos 70, ele serve como reflexo do espectador, tomando contato com um mundo de violência extrema e regras arbitrárias que põem a sua vida e de seus colegas em risco - especialmente a de seu intérprete local, Dith Pran, que se separa da própria família para ficar ao lado do repórter no pior momento do conflito. Pran, um homem íntegro e corajoso, é a segunda metade de um par inesquecível das telas... principalmente quando se sabe a história por trás do ator que lhe dá vida, Haing S. Ngor.
Formado em Medicina no Camboja, Ngor se viu obrigado a esconder sua condição por saber que os soldados do Khmer Vermelho - que invadiram o país em 1975 - estavam assassinando pessoas de nível intelectual superior contrários à sua ideologia. Isso não impediu, no entanto, que ele fosse preso e torturado, além de ter perdido a mulher e o filho recém-nascido na hora do parto (a esposa não quis chamá-lo para não denunciar sua profissão). Depois de fugir para a Tailândia e os EUA, foi escolhido por Joffé para interpretar Dith Pran - e só aceitou o papel que lhe trazia tantas más recordações porque o cineasta estava com imensas dificuldades em encontrar um ator cambojano para o filme, uma vez que a política do Khmer também perseguia artistas. O resultado não poderia ter sido mais satisfatório, porém: unanimemente elogiado pela crítica, Ngor levou pra casa o Golden Globe e o Oscar de ator coadjuvante (segunda vez na história do prêmio em que a estatueta ficava com um ator não-profissional).
O fato é que a mistura de narrativa semidocumental com um elenco afiado - que conta com um jovem John Malkovich em papel coadjuvante - faz de "Os gritos do silêncio" um filme obrigatório. Forte, doloroso e pungente, mas igualmente imprescindível como retrato da desumanidade da guerra. Um enorme acerto de Roland Joffé já em seu primeiro trabalho em longa-metragens.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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Um comentário:
Esse filme é excelente! Maravilhoso!
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