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HURRICANE - O FURACÃO

HURRICANE - O FURACÃO (The Hurricane, 1999, Universal Pictures, 146min) Direção: Norman Jewison. Roteiro: Armyan Bernstein, Dan Gordon, livros "The 16th Round", de Rubin "Hurricane" Carter e "Lazarus and the Hurricane", de Sam Chaiton e Terry Swinton. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Stephen Rivkin. Música: Christopher Young. Figurino: Aggie Guerard-Rodgers. Direção de arte/cenários: Philip Rosenberg/Gordon Sim. Produção executiva: Marc Abraham, Irving Azoff, Thomas A. Bliss, Rudy Langlais, Tom Rosenberg, William Teitler. Produção: Armyan Bernstein, Norman Jewison, John Ketcham. Elenco: Denzel Washington, Deborah Kara Unger, Liev Schrieber, John Hannah, Dan Hedaya, Vicellous Reon Shannon, Clancy Brown, David Paymer, Rod Steiger, Debbi Morgan. Estreia: 17/9/99 (Festival de Toronto)

Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Denzel Washington)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator/Drama (Denzel Washington)

Em 1966, o lutador de boxe Rubin "Hurricane" Carter, forte candidato ao título de campeão mundial de peso médio, foi preso, acusado de múltiplo homicídio. Condenado a três penas de prisão perpétua, ele nunca cansou de clamar inocência, chamando a atenção dos ativistas pelos direitos civis dos negros e de personalidades como o lutador Muhamad Ali, a atriz Ellen Burstyn e o cantor Bob Dylan, que inclusive compôs uma canção de protesto narrando os fatos que levaram o atleta à prisão e levantando a clara hipótese de perseguição racial. Tal história, um dos mais contundentes retratos das diferenças sociais dos EUA na década de 60 rendeu dois livros: um, escrito pelo próprio Carter, narrava sua vida repleta de preconceito e violência. O outro, mais inspirador, revelava a relação entre ele e um adolescente negro chamado Lesra, que, se identificando com a biografia do boxeador, convenceu seus tutores canadenses a colaborar na tentativa de um novo julgamento, mais de 30 anos depois de sua condenação. Essa história - escrita pelos professores do rapaz - foi o que serviu de base para "Hurricane, o furacão", a versão cinematográfica que quase deu o Oscar de melhor ator a Denzel Washington em 2000. Dirigido pelo veterano Norman Jewison - cujo "No calor da noite" também tinha o preconceito racial como mote dramático - a história de Rubin Carter chegou às tela cercada de elogios, mas não passou incólume ao teste da realidade: acusado de distorcer os fatos em favor do protagonista, o filme sofre de uma parcialidade que dilui sua denúncia (apesar de não diminuir seu valor como arte).

Fabuloso na pele de Rubin Carter, Denzel Washington levou o Golden Globe de melhor ator dramático, mas perdeu o Oscar para Kevin Spacey, brilhante em "Beleza americana". Alguns chegaram a culpar as controvérsias geradas pelo roteiro do filme - como a criação do personagem Della Pesca, vivido por Dan Hedaya, uma espécie de Javert (de "Os miseráveis", de Victor Hugo) em sua busca incessante pela condenação do protagonista desde sua infância - para enfatizar a conotação racial da perseguição. É possível que tais polêmicas tenham realmente respingado em Denzel, mas o fato é que nem mesmo sua atuação visceral consegue esconder a irregularidade do trabalho de edição e da fragilidade da estrutura do roteiro, que muda de tom e foco repentinamente, prejudicando inclusive o ritmo empolgante de sua primeira hora. Contando praticamente dois filmes em um só - a divisão fica clara entre os dois livros que lhe deram origem - Jewison não consegue manter a unidade de sua narrativa, deixando de lado, por exemplo, a montagem fora de ordem cronológica de seus primeiros minutos, que conquistam a audiência sem muito esforço. O terço inicial do filme, forte e dramático, logo é substituído por um tom mais ameno e pacifíco que, se corresponde às mudanças espirituais do protagonista em seu processo de amadurecimento na cadeia, deixa o produto final com menos força do que poderia se mantivesse a fúria do começo.


A trama já começa com a prisão de Carter, em 1966, juntamente com um amigo, igualmente negro, pela morte de três pessoas em um bar. Reconhecido por uma testemunha ocular retratada no filme como incapaz de tal - e coagida por um policial que persegue o lutador desde que ele ainda era uma criança, ele é imediatamente preso e, depois de um julgamento pouco mostrado em cena (o que dá margem às dúvidas sobre a veracidade de seu rigor histórico) é condenado e, rebelde, impõe sua forte personalidade junto às autoridades policiais, trocando o dia pela noite, estudando seu próprio caso e escrevendo sua biografia, chamada "O 16º round". O livro se torna um sucesso e, sete anos depois, cai nas mãos de um jovem negro chamado Lesra (Vicellous Reon Shannon), que, identificando-se com a história do famoso presidiário, inicia com ele uma correspondência fraternal. Morando no Canadá com três tutores que veem nele um futuro que estava ameaçado pelo descaso paterno e familiar, Lesra acaba por convencer seus amigos a iniciarem uma campanha que exija um novo julgamento para Carter - com base em incoerências durante o processo, eles desejam anular as sentenças.

É difícil não gostar de "Hurricane, o furacão": a direção de atores de Norman Jewison é certeira, extraindo de cada ator a expressão mais correta e apropriada, a trilha sonora de Christopher Young é eficaz, e a história é contada de forma emocionante, ainda que burocrática em seus dois terços finais. Além do mais, Denzel Washington entrega uma performance avassaladora, equilibrando fúria e desespero nas medidas certas. Mas talvez com mais ousadia no roteiro e na direção um filme bom poderia ter se transformado em uma pequena obra-prima. A falta de coragem dos produtores talvez tenha sido o golpe fatal para suas intenções. Mesmo assim, é um dos grandes filmes da temporada 99.

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