quinta-feira

SHAFT

SHAFT (Shaft, 2000, Paramount Pictures, 99min) Direção: John Singleton. Roteiro: Richard Price, John Singleton, Shane Salerno, estória de John Singleton, Shane Salerno, romance de Ernest Tidyman. Fotografia: Donald E. Thorin. Montagem: John Bloom, Antonia Van Drimmelen. Música: David Arnold. Figurino: Ruth Carter. Direção de arte/cenários: Patrizia Von Brandenstein/George DeTitta Jr.. Produção executiva: Paul Hall, Steve Nicolaides, Adam Schroeder. Produção: Mark Roybal, Scott Rudin, John Singleton. Elenco: Samuel L. Jackson, Vanessa Williams, Christian Bale, Jeffrey Wright, Toni Colette, Busta Rhymes, Dan Hedaya, Richard Roundtree, Philip Bosco. Estreia: 16/6/00

Em 1971, um filme chamado "Shaft" tornou-se o símbolo de um dos subgêneros mais populares do cinema policial norte-americano, a blackexploititon - filmes com atores negros, com temática relativa à comunidade negra e recheados de uma quantidade de sexo e violência quase impensáveis às produções comerciais dos grandes estúdios de Hollywood. Tendo como protagonista um detetive da polícia de Nova York mulherengo, malandro e pouco dado a melindres politicamente corretos interpretado por Richard Roundtree, "Shaft" fez sucesso de bilheteria, rendeu continuações, ganhou um Oscar (melhor canção) e influenciou cineastas do porte de Quentin Tarantino e John Singleton. Quase três décadas depois, como recompensa à sua importância para o gênero em particular e para o cinema em geral, o detetive voltou às telas, sob a direção de Singleton (primeiro afro-americano a concorrer ao Oscar de diretor, por "Os donos da rua", de 1991) e envernizado por um orçamento generoso da Paramount Pictures. Com algumas alterações que o descaracterizam como remake - o protagonista é sobrinho do personagem original, por exemplo - o "Shaft" do final do século é um policial energético, realista e violento que se apropria de todas as características do gênero e as regurgita de forma moderna e empolgante - principalmente por contar com o excepcional Samuel L. Jackson no papel central.

Jackson, um dos maiores atores negros de Hollywood, está à vontade na pele de John Shaft, o policial incorruptível e sedutor que desperta tanto admiração quanto inveja em seus colegas do departamento nova-iorquino, acostumados com casos de corrupção, racismo e impunidade. Todos esses elementos surgem de uma única vez quando Walter Wade Jr. (Christian Bale), filho de um dos mais importantes empresários da cidade, é acusado de matar um jovem negro diante de um restaurante. Liberado depois de pagar fiança, o rapaz foge antes do julgamento, para desespero da família da vitima. Dois anos depois, ao retornar de seu autoexílio, Wade é novamente preso e, para evitar uma condenação, resolve eliminar a única testemunha de seu crime, a garçonete Diane Palmieri (Toni Colette): paga para desaparecer, ela está sendo procurada incansavelmente por Shaft, e não sabe que está na mira também do perigoso traficante Peoples Hernandez (Jeffrey Wright), contratado pelo jovem milionário para matá-la.


Levando-se em consideração a quantidade de problemas em seus bastidores, é um milagre que "Shaft" tenha chegado às telas com tamanha consistência e qualidade. Tudo começou quando a Paramount praticamente exigiu a escalação de Samuel L. Jackson no papel central, contra o desejo original do diretor John Singleton de ter no elenco Don Cheadle e Wesley Snipes (uma escalação, aliás, extremamente acertada, uma vez que Jackson encaixou-se à perfeição no estilo do protagonista). Depois, desavenças constantes entre protagonista e diretor contra o roteiro, considerado sexista e preconceituoso em excesso - e que acabou tendo várias cenas cortadas e/ou modificadas de acordo com as orientações. Para finalizar, exibições-teste mostraram que o público se interessava mais pela história do traficante vivido por Jeffrey Wright do que pela trama do milionário racista interpretado por Christian Bale (que quase recusou o papel por ter acabado de sair dos sets de "Psicopata americano"), o que acabou diminuindo a participação do futuro Batman em cena. Tal acúmulo de situações adversas, somadas à bilheteria decepcionante, não permitiu que as aventuras de Shaft se estendessem nas continuações planejadas, mas é impressionante como, mesmo assim, é um raro prazer acompanhar o tom de malandragem das ruas impresso a cada fotograma.

Ao som da trilha sonora impecável - que usa a canção-título do filme original - e nas mãos de um elenco que dá veracidade e energia a uma trama que não poupa o espectador de sequências dirigidas com garra e realismo, "Shaft" é um filme que tem o soul nas veias e no DNA. Um policial que honra as bases do gênero e do cinema negro americano.

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