MAIS
QUE O ACASO (Bouce, 2000, Miramax, 106min) Direção e roteiro: Don Roos.
Fotografia: Robert Elswit. Montagem: David Codron. Música: Mychael
Danna, Dean Landon. Figurino: Peter Mitchell. Direção de arte/cenários:
David Wasco/Sandy Reynolds-Wasco. Produção executiva: Bob Osher, Meryl
Poster, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Michael Besman, Steve
Golin. Elenco: Ben Affleck, Gwyneth Paltrow, Natasha Henstridge,
Jennifer Grey, Tony Goldwin, Caroline Aaron. Estreia: 17/11/00
Ben
Affleck e Gwyneth Paltrow não estavam mais namorando quando
contracenaram em "Mais que o acaso", mas é inegável que sua química é um
dos maiores méritos do filme de Don Roos - exercitando um lado sério e
romântico que havia deixado de lado em seu filme de estreia, a cínica
comédia "O oposto do sexo", estrelada por Christina Ricci. Vivendo uma
história de amor sustentada por uma mentira capaz de separá-los, seus
personagens estão entre os mais consistentes de suas carreiras,
confirmando o talento do cineasta/roteirista em criar tipos realistas e
complexos, que seduzem o espectador justamente por sua capacidade de
refletir sentimentos verdadeiros e banais - transformados, na tela, em
dramas maiores que a vida.
Canastrão como sempre, mas
apoiado em um roteiro inteligente, Affleck vive Buddy Amaral, um
publicitário mulherengo que, prestes a embarcar em uma viagem de retorno
a Los Angeles, decide mudar de ideia e passar a noite em Chicago com a
bela Mimi Prager (Natasha Henstridge), aproveitando que seu voo está
atrasado devido a uma forte nevasca. Em um ato de generosidade, ele
troca de passagem com o aspirante a dramaturgo Greg Janello (Tony
Goldwin), ansioso para retornar aos braços da esposa e dos dois filhos
pequenos. Como o destino é muitas vezes traiçoeiro, o avião em que
deveria viajar sofre um acidente fatal, que mata todos os passageiros e a
tripulação. Mesmo consumido pela culpa, Buddy assume a campanha de
marketing solicitada pela companhia aérea para limpar sua imagem e acaba
se tornando viciado em álcool. Um ano depois, saindo da clínica de
reabilitação e lutando para retomar sua vida normal, ele se aproxima de
Abby (Gwyneth Paltrow, desglamourizada mas ainda assim belíssima), a
viúva de Greg e, aos poucos, surge entre eles uma forte atração, que
evolui para uma intensa história de amor. O fato de Buddy esconder de
Abby os caminhos que o levaram até ela, no entanto, podem ameaçar a
felicidade do relacionamento.
Sem
recorrer a artifícios narrativos e optando por seu conhecido estilo
claro e direto de contar uma história, Don Roos acerta mais uma vez.
Brindando o público com diálogos naturais e personagens que se comportam
como gente normal e verossímil, o cineasta não tem pressa em apresentar
sua dupla central ou construir as bases para seu complicado
relacionamento, oferecendo à plateia uma consistência das mais raras nos
filmes românticos. Fugindo claramente às regras não escritas, ele até
mesmo abre mão da maior característica do gênero - o alívio cômico -
preferindo, ao invés disso, criar uma espécie de "grilo falante" para
Buddy, um funcionário gay, também com problemas com álcool, que serve
para empurrá-lo em direção à verdade e à recuperação de sua alma. Uma
pena que Affleck não tenha suporte dramático o suficiente para explorar a
contento todas as nuances do personagem, permanecendo apenas na
superfície de todo o turbilhão emocional de Buddy. Felizmente sua
parceira de cena consegue disfarçar tais fragilidades com um carisma e
uma luz que justificam o questionável Oscar de melhor atriz que ganhou
por "Shakespeare apaixonado": na pele da insegura e angustiada Abby
Janello, Gwyneth Paltrow está madura, discreta e eficiente, emprestando
brilho a uma personagem que, em outras mãos, poderia ser apenas insossa.
Mesmo os detratores de Paltrow são obrigados a reconhecer que, a
despeito de sua classe e elegância, a filha da também atriz Blythe
Danner sai-se muito bem no papel dessa mulher de suburbano coração.
"Mais
que o acaso" é uma história de amor simples e banal, que explora
sentimentos e pessoas comuns em uma trama que, mesmo parecendo sinopse
de telenovela, consegue retratar seu universo dramático sem apelar para
as lágrimas fáceis ou reviravoltas maquiavélicas. É a vida como ela é,
cheia de momentos intensos, pausas leves e felicidades efêmeras. Mais um
belo filme de Don Roos.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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