ANTES
DO ANOITECER (Before night falls, 2000, El Mar Pictures/Grandview
Pictures, 133min) Direção: Julian Schnabel. Roteiro: Cunningham O'Keefe,
Lazaro Gomez Carriles, Julian Schnabel, livro de Reinaldo Arenas e
documentário "Havana", de Jana Bokova. Fotografia: Xavier Pérez Grobet,
Guillermo Rosas. Montagem: Michael Berenbaum. Música: Carter Burwell.
Figurino: Mariestela Fernández. Direção de arte/cenários: Salvador
Parra/Laurie Friedman. Produção executiva: Olatz Lopez Garmendia, Julian
Schnabel. Produção: Jon Kilik. Elenco: Javier Bardem, Johnny Depp, Sean
Penn, Diego Luna, Olivier Martinez. Estreia: 03/9/00 (Festival de
Veneza)
Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Javier Bardem)
Poeta,
escritor e dramaturgo cubano que abandonou a ilha devido à perseguição
do governo de Fidel Castro - que não aceitava sua homossexualidade
aberta e seus ataques explícitos à revolução - Reinaldo Arenas encontrou
em Nova York, onde se estabeleceu no início da década de 80, o lugar
ideal para usufruir de sua liberdade pessoal e intelectual, até que o
vírus da AIDS interrompeu uma importante trajetória literária, cujo auge
foi sua autobiografia, lançada dez anos depois de sua morte. Retratada
em sua poesia dura e melancólica, a vida de Arenas, repleta de lances
dramáticos é a base da versão para as telas de seu livro póstumo, "Antes
do anoitecer", que, sob a direção sensível e igualmente lírica de
Julian Schnabel - cujo currículo já incluía "Basquiat, traços de uma
vida" (96), cinebiografia do artista plástico que também foi vítima da
AIDS - se equilibra entre a narrativa convencional e rasgos de
criatividade que nem sempre convivem em harmonia dentro do resultado
final.
Apesar de contar a história de Arenas desde sua
infância, no interior do país e sem a presença paterna, "Antes do
anoitecer" concentra-se principalmente na juventude do escritor, quando,
já em Havana, vê florescer em si seu talento como escritor, sua
sexualidade pouco conveniente à sociedade conservadora de Cuba e sua
tendência em lutar contra o governo (mesmo que a princípio tenha sido
favorável à revolução) - fatores que o levam a uma sistemática
perseguição que resultou em constantes prisões e torturas. Mantendo-se
fiel à autobiografia de Arenas, um livro de memórias atípico que mistura
passagens de uma crueza ímpar a poesia, narração de sonhos e pesadelos
alucinantes, o filme de Schnabel convida o espectador a uma viagem
recheada de imagens cuidadosamente planejadas - a fotografia em tons
ocres transmite com perfeição o clima quente da capital cubana e a
trilha sonora (que tem o reforço de Lou Reed e Laurie Anderson) ilustra
com inteligência o tênue equilíbrio entre a liberdade da personalidade
de Arenas com a repressão do governo de Fidel - até mesmo nas sequências
em que o protagonista é preso e interrogado (em uma participação
especial de um Johnny Depp tentando controlar sua tendência ao excesso) o
cineasta jamais perde a mão em sua busca de evitar a violência, optando
pelo lirismo e pela fantasia, felizmente encontrando um intérprete
genial em Javier Bardem, merecidamente indicado ao Oscar por seu
desempenho.
Mesclando
fragilidade e um estoicismo que faz de Reinaldo Arenas uma força da
natureza, Bardem - então um ator conhecido apenas no mercado espanhol, o
que deixa sua lembrança pela Academia ainda mais impressionante -
domina a cena do filme de Schnabel mesmo que em vários momentos o
roteiro, em sua obsessão de manter-se fiel ao livro que lhe deu origem,
careça de um foco mais definido e dilua os dramas de seu protagonista em
sequências desnecessariamente longas, como aquela que mostra a
tentativa de fuga de um grupo de cubanos através de um balão, antecedida
por uma cena que reflete o tom de festa constante do submundo cubano
que funciona poeticamente mas quebra o ritmo cinematográfico. Também é
um pecado do roteiro não deixar claro o tipo de relacionamento entre
Arenas e Lázaro (Olivier Martinez), que se torna seu leal e compreensivo
companheiro de apartamento em Nova York até sua angustiante morte, com a
AIDS o obrigando a abreviar uma trajetória que poderia ser ainda mais
brilhante e provocativa.
Dono de uma personalidade
própria, que o distingue das cinebiografias convencionais, "Antes do
anoitecer" deve seu bom-gosto ao diretor Julian Schnabel, que imprime em
cada cena um visual que aproxima o espectador da história que está
sendo contada. A interpretação intensa de Javier Bardem - convincente em
sua fase adolescente e avassalador em seus dias adultos - apresenta
Reinaldo Arenas ao público como um homem sensível mas disposto a
enfrentar qualquer luta, seja no âmbito pessoal e sexual ou no contexto
social. O equilíbrio atingido por Schnabel entre esse dois polos é
admirável, mesmo quando tal decisão soe algumas vezes como falta de
foco. Porém, é preciso lembrar que o próprio livro de Arenas
caracteriza-se por tal estrutura e é louvável o trabalho do diretor em
transferir para as telas as palavras doloridas do escritor cubano. O
ritmo pode não ser dos mais ágeis, mas "Antes do anoitecer" é um belo
exemplo de cinema poético e sensorial que o cineasta aprimoraria no belo
"O escafandro e a borboleta", lançado em 2007.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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