4 indicações ao Oscar: Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino
Poucos filmes levaram tão a sério a
afirmação de William Shakespeare de que o mundo é um palco quanto a versão do
cineasta Joe Wright do clássico russo “Anna Karenina”, publicado por Leon
Tolstoi em 1878. Investindo em uma adaptação visualmente estilizada de um dos
maiores romances da história da literatura, o diretor que já visitou Jane
Austen em “Orgulho e preconceito” e Ian McEwan em “Desejo e reparação”
distanciou-se das versões anteriores do livro para criar um espetáculo
exuberante e opulento que trata a história de um amor adúltero na Rússia do
século XIX como uma peça teatral, onde os personagens tratam de viver papéis
pré-estabelecidos de acordo com as regras sociais, reprimindo seus desejos e
instintos mais primitivos. Sob a visão de Wright e do roteirista Tom Stoppard –
dramaturgo vencedor do Oscar por “Shakespeare apaixonado” – Anna Karenina e
seus coadjuvantes são peças de um cruel jogo de aparências emoldurado por uma
sociedade mais afeita às convenções do que aos reais sentimentos. Tal visão,
sob a fotografia inspirada de Seamus McGarvey e embalada pela trilha sonora de
Dario Marianelli, encontra eco na mais deslumbrante transposição da obra de
Tolstoi para as telas. Vencedor do Oscar de melhor figurino – merecia também os
prêmios de direção de arte, trilha sonora e fotografia – o “Anna Karenina” de
2012 é digno de figurar entre as melhores adaptações cinematográficas já
realizadas pelo cinema por várias razões.
Primeiro porque Wright não apenas transportou a história de uma mídia para outra, como aconteceu anteriormente. Ousadamente, ele levou o livro de Tolstoi para as telas com uma escala no teatro, através de um cenário estilizado – brilhantemente executado por Sarah Greenwood e Katie Spencer – onde paredes se movem e salões de baile se transformam em estações ferroviárias, restaurantes, escritórios burocratas e aposentos domésticos, de acordo com a necessidade de cada cena. Como em um espetáculo teatral, Wright brinca com a ludicidade, editando de forma magistral suas sequências como forma de mergulhar sem reservas o espectador em sua trama. Dessa maneira, Karenin (um Jude Law maduro e roubando a cena) rasga uma carta da ex-esposa, a pica em minúsculos pedaços e a joga para cima apenas para imediatamente, tais pedaços transformarem-se em flocos de neve. E Anna (Keira Knightley, a atriz preferida do diretor, aqui em seu terceiro filme juntos) pode sair desesperadamente de sua casa e estar prontamente dentro de um trem, a caminho dos braços de seu amante. A princípio, tal artifício soa estranho ao espectador acostumado com o trivial, mas não demora muito para que ele se deixe seduzir pela beleza estonteante promovida pelo conjunto – coeso e elegante – da obra.
Outro ponto que sublinha as
qualidades da adaptação de Stoppard diz respeito à opção em não tentar abraçar
a obra inteira de Tolstoi – mais de 600 páginas, afinal de contas – em um único
filme. Centrando sua narrativa basicamente no romance adúltero entre Anna e Vronski (Aaron Taylor-Johnson), o dramaturgo corria o risco de ser violentamente rechaçado pelos puristas,
que poderiam ver na falta de interesse do roteiro nas elocubrações socialistas
do escritor uma maneira de diluir a importância do livro e transformá-lo em um
melodrama puro e simples. Stoppard não chega a tanto, mas diminui radicalmente
os questionamentos de Liévin (Dohmnall Gleeson) a respeito da desigualdade social que
grassava na Rússia imperial, utilizando o personagem quase que apenas como um
observador atuante da tragédia que se desenrola à sua frente – enquanto tenta
conquistar o amor da bela e ingênua Kit (Alicia Vikander bem antes de sonhar
com o Oscar de coadjuvante por “A garota dinamarquesa”). Quem leu o romance
sabe bem que as longas páginas gastas pelo escritor para divagar a respeito do
dia-a-dia dos camponeses não caberiam em um filme romântico – se é que caberiam
em algum outro gênero. Assim, Stoppard acerta em dedicar seu foco ao fatal
triângulo amoroso que abalou a sociedade de São Petersburgo no final do século
XVIII – ainda que por vezes algumas atitudes dos personagens soem meio abruptas
e que Jude Law tenha conseguido fazer de seu Karenin alguém bem mais simpático
do que no romance.
Boa parte da simpatia conquistada
por Karienin vem do fato de que Law é um ator extremamente superior a Aaron
Taylor-Johnson, que vive nas telas o seu rival. Mesmo com seus olhos azuis
faiscando ainda mais brilhantes graças à fotografia de McGarvey e o uniforme
branco com que seu Vronski desfila pelas telas, Johnson não tem a profundidade e a
experiência necessárias para fazer de seu personagem alguém marcante ou forte o
suficiente para justificar o amor desesperado de Anna. Bonito ele é, mas lhe
falta carisma e sutileza: em muitos momentos o público fica perdido, sem saber
de seus reais sentimentos em relação à amante. Enquanto isso, Law deita e rola,
puxando para si a protagonização da história, transmitindo uma vasta nuance de
sentimentos que acaba fazendo com que o público torça mais por ele do que pelo amante de sua mulher. Já Keira Knightley faz o que pode com uma personagem que tem em sua lista
de intérpretes nomes como Greta Garbo e, mais recentemente, Sophie Marceau:
limitada, ela até consegue controlar o excesso de caras e bocas que vem
marcando sua carreira, mas lhe falta substância dramática para encarar uma das
mais complexas e fascinantes personagens femininas da literatura mundial. É de
se imaginar o que gente como Natalie Portman e Michelle Williams faria em seu
lugar. Mas, dos males o menor, Knightley ao menos consegue ser suportável –
coisa de que não foi capaz em “Um método perigoso”, em que quase jogou por
terra o belo trabalho de Michael Fassbender como Jung.
A história, como se sabe, pode ser resumida em poucas linhas: na Rússia imperial do século XVIII, Anna (Keira Knightley), a jovem esposa de um influente político moscovita, Karenin (Jude Law), vai a São Petersburgo com a missão de tentar salvar o casamento do irmão, Stiva (Matthew McFadyen, par romântico de Knightley em “Orgulho e preconceito”), que acaba de ter seu romance com uma babá descoberto pela esposa, Dolly (Kelly McDonald). Frequentando a sociedade local, ela acaba por apaixonar-se perdidamente pelo jovem cavaleiro Vronski (Aaron Taylor-Johnson) – pretendente da irmã de sua cunhada, Kit (Alicia Vikander) – e inicia com ele um escandaloso romance extra-conjugal que a torna uma pária social e a joga contra o marido, que a ameaça tirar-lhe a guarda do único filho. Enquanto isso, Kit, sem mais esperanças de casar-se com Vronski, se deixa conquistar por Liév (Domnhall Gleeson), um jovem fazendeiro que não se deixa cativar pelo jogo de aparências das altas rodas russas.
Elegante, charmoso, visualmente
deslumbrante e narrado como uma sóbria sinfonia que aos poucos vai se deixando
envolver pela tragédia, “Anna Karenina” é um trabalho raro. De extremo cuidado
plástico e emocional, é um dos mais fascinantes filmes de 2012 apesar de alguns
pequenos pecados. Altamente recomendável para quem gosta de cinema com
conteúdo.
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