Em 2011 o diretor Derek Cianfrance
conquistou a crítica e os fãs de cinema com o dolorido “Namorados para sempre”,
uma história de amor e perda amparada basicamente na força de sua dupla
central, Michelle Williams (indicada ao Oscar por seu desempenho visceral) e
Ryan Gosling. O tom claustrofóbico e nervoso do filme apontava para um cineasta
pouco afeito à leveza do ser, e seu trabalho seguinte confirmou as suspeitas:
apesar de não ser nem de longe tão pesado e denso quanto a obra anterior de Cianfrance,
“O lugar onde tudo termina” também não é exatamente o trabalho de alguém que vê
a vida com otimismo e alegria. Disfarçada sob as regras sólidas de um gênero
clássico – o policial – sua nova trama discorre, sem discursos moralistas ou
obviedades, sobre a força do destino e as consequências de cada escolha que se
faz na vida. Com três atos bem definidos e com tons claramente distintos, o
roteiro – coescrito pelo diretor ao lado de Bem Coccio e Darius Marder – conduz
o espectador por praticamente três histórias, impulsionadas por um primeiro
clímax impactante e surpreendente que, chegando ao final da primeira hora de
projeção, muda corajosamente todos os rumos do que foi visto até então.
Quem dá o empurrão inicial na
narrativa é Handsome Luke (Ryan Gosling), um ousado motoqueiro que viaja pelos
EUA juntamente com um circo, se apresentando no Globo da Morte. Calado e
introspectivo, ele vê sua trajetória errante sofrer um abalo quando retorna à
pequena Schenactady, cidadezinha modorrenta do interior do país e reencontra
Romina (Eva Mendes), com quem havia tido um romance poucos anos antes. Surpreso
ao saber que é pai de um bebê, o rapaz pede demissão do circo e resolve
permanecer na localidade, mesmo sabendo que sua ex-namorada já está
reconstruindo a vida com outro homem. Para garantir um futuro seguro para o
menino, Luke acaba por unir-se a um arrojado plano de assaltos a bancos onde
sua moto tem importância crucial. É devido a essa sua nova e ilegal atividade
que seu caminho cruza com o de Avery (Bradley Cooper), um jovem policial que,
assim como ele, também está se iniciando nas artes da paternidade.
Quando Avery assume o protagonismo
da história – depois de um confronto com Luke – o filme de Cianfrance abandona
o tom de policial dramático para assumir uma outra faceta. Ferido em seu duelo
com Luke, o rapaz (de família influente) torna-se herói da noite para o dia,
mas se vê jogado em uma série de tarefas burocráticas que acabam por
aproximá-lo de Romina e seu filho. Além disso, se envolve cada vez mais em uma
espiral de corrupção que envolve seus colegas de departamento e é liderada pelo
amedrontador Deluca (Ray Liotta). Para sair dessa situação pouco invejável, ele
precisa desafiar a apatia de seus superiores e contar com a ajuda da esposa, Jennifer
(Rose Byrne). A terceira e conclusiva fase do filme se passa quinze anos mais
tarde, quando o filho rebelde de Avery, AJ (Emori Cohen), vai morar com o pai –
já divorciado e politicamente em alta – e une-se a Jason (Dane Dehaan), o filho
de Luke e Romina, em uma série de pequenas contravenções. O que poderia ser
apenas um típico caso de “más companhias” se transforma, porém, em um trágico
encontro que finalmente iguala bandido e mocinho.
É admirável a coragem de Derek
Cianfrance em vários pontos de “O lugar onde tudo termina”. Primeiro, por não
acomodar-se com o sucesso de crítica de sua obra anterior e romper com sua
linguagem naturalista ao optar por uma obra que se enquadra facilmente no que
convencionou-se chamar de “filme de gênero”. Depois, por, mesmo dentro das
rígidas regras que uma produção assim impõe aos realizadores, usar de seus
cânones mais consagrados não para agradar ao público com clichês previsíveis,
mas para buscar novos caminhos narrativos. E por fim, por ter não apenas dois,
mais três (!!) histórias dentro de uma única espinha dorsal – todas elas com
começo, meio e fim bem delineados. Em uma época em que o espectador é atacado
por todos os lados com roteiros que mal permitem o contato com os personagens
(por sua vez frequentemente inverossímeis ou superficiais), não deixa de ser
refrescante perceber o cuidado do diretor em fazer de todos aqueles que cruzam
a tela pareçam reais e, dentro do possível, fujam do esperado. E para isso, é
claro, ele conta com um elenco que entrega performances pra lá de inspiradas.
Ryan Gosling nem precisa ser citado:
vindo de uma série de atuações brilhantes em filmes dos mais variados estilos,
ele mais uma vez mostra porque é um dos melhores atores de sua geração, criando
um Handsome Luke que, apesar de algumas semelhanças com seu misterioso
personagem no soberbo “Drive”, conquista o público apesar de suas equivocadas
decisões. Bradley Cooper – saindo de uma indicação ao Oscar de melhor ator por
“O lado bom da vida” – assume um papel um tanto ingrato e consegue manter o
interesse da audiência mesmo com a mudança quase brusca de foco da narrativa, e
os jovens Emory Cohen e Dane Dehaan, apesar de não terem o carisma de seus pais
na ficção tampouco comprometem o resultado, encerrando a odisseia de violência
e angústia com grande competência. Mérito da direção segura mas discreta de
Cianfrance, que não deixa, em momento algum, de perder as rédeas de sua
história, e cria um interessante misto de drama e policial que é capaz de
agradar a quem procura mais do que apenas uma série de tiros e explosões.
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