Kay e Arnols Soames estão
comemorando 31 anos de casamento. Dessa relação sólida e tranquila, nasceram
dois filhos e um conforto que transformou-se em comodismo. Dormindo em quartos
separados e sem assuntos em comum, o casal parece ter aposentado
definitivamente sua vida sexual e afetiva. Mas Kay não quer entregar os pontos
facilmente e, depois de ler o livro de um terapeuta de casais extremamente
bem-sucedido, gasta quatro mil dólares de suas economias pagando um intensivo
de sete dias em uma cidade costeira do Maine para recuperar seu casamento. A princípio
decidido a não acompanhar a esposa no que considera uma loucura, Arnold acaba
por ceder e eles começam, então, um período onde terão que trazer à tona
assuntos que aprenderam a esconder com o passar dos anos. Com essa sinopse, “Um
divã para dois” poderia servir para um drama-cabeça do sueco Ingmar Bergman,
uma comédia intelectualizada de Woody Allen ou um filme erótico metido a
profundo de Bernardo Bertolucci. Mas, com Meryl Streep e Tommy Lee Jones nos
papéis principais e a direção de David Frankel (de “O diabo veste Prada”), é
apenas uma comédia dramática com bons momentos, bom elenco e a dose de
previsibilidade comum a uma produção comercial e despretensiosa. Não muda a
vida de ninguém, mas é garantia de um passatempo bastante agradável.
É lógico que ter Meryl Streep ajuda e muito.
Já que o roteiro não foge do banal e da superficialidade, o talento da atriz em
tirar leite de pedra acaba por tornar-se a principal razão para assistir-se ao
filme. Mestre do minimalismo, Streep consegue convencer tanto nos momentos de
humor – sutil às vezes, quase de mau-gosto de vez em quando – quanto naqueles
em que sua capacidade de falar com os olhos lembra a plateia dos motivos que a
levam a ser considerada a melhor atriz americana de sua geração. Ciente das
vontades e do objetivo de Kay em salvar seu casamento e recuperar os dias de
paixão com o marido, o público torna-se seu cúmplice, entendendo sem fazer
esforço o que se passa por sua cabeça diante das constrangedoras perguntas
formuladas pelo dr. Bernard Feld (Steve Carrell, bastante contido). Em
contraste com a quase insensibilidade do marido (Tommy Lee Jones mais uma vez
em um papel seco e no limite do brutal), Streep é uma flor de delicadeza, capaz
de ultrapassar seus limites morais para reencontrar a felicidade doméstica
(inclusive tentando praticar o sexo oral que aprendeu a fazer lendo um livro
escrito por gays para ajudarem mulheres como ela). Mas que as feministas não
preparem suas reclamações: se Kay corre atrás do prejuízo, Arnold também percebe,
um tempo depois, que precisa fazer a mesma força. O filme não tem viés
feminista nem machista. É apenas inconsequente.
Kay não é uma dona-de-casa que viveu
para os filhos – apesar de não ter uma “carreira”, trabalha fora e tem
condições suficientes para uma vida independente, se assim o quisesse. Arnold
não é um homem mau, é apenas uma cria de sua geração, em que ser o provedor
basta para ser considerado um bom pai de família. Amor e sexo quase não entram
na sua equação, e ele acha que nunca ter traído Kay com outra mulher faz dele
um exemplo a ser seguido. Ambos tem suas razões, ambos tem suas culpas. Ao
longo do caminho, deixaram de lado suas vontades e seus desejos, assim como a
disposição de falar sobre eles. Tudo parecia feliz. Mas, como bem lembra o
terapeuta, para curar um desvio de septo é preciso quebrar o nariz; e para
quebrar o nariz é preciso que isso seja feito de forma rápida. Kay é a
catalisadora desse desejo de mudança. Arnold demora a acompanhá-la. É uma visão
um tanto simplista a respeito das características de gênero, mas é preciso
entender que estamos falando de um filme hollywoodiano com pretensões puramente
comerciais e dirigido por um cineasta apenas correto e sem ambições
sociológicas. “Um divã para dois” não se propõe a ser um estudo sobre as
relações homem/mulher. Ele quer ser apenas uma boa comédia, aspiração que
ocasionalmente alcança.
O maior acerto do filme é, sem
dúvida, direcionar seu foco nos atores. Mesmo relegando a ótima Elisabeth Shue
a uma única cena e Mimi Rogers a uma participação que nem chega a ser
considerável, Frankel explora sem medo o talento superlativo de Streep e Tommy
Lee Jones – que chega até mesmo a sorrir e dançar em uma cena, fato raro em uma
carreira repleta de personagens carrancudos e ranzinzas. Sem apelar para o
humor que se poderia esperar de Steve Carrell – o que não deixa de ser uma
pena, já que o ator é sensacional quando tem um bom material em mãos, que o
digam “Pequena Miss Sunshine” e “Amor à toda prova” – o cineasta só erra feio
quando prefere manter-se no trivial e perde a oportunidade de discutir com mais
afinco as questões levantadas pela trama: desde o princípio dá para imaginar o
desfecho da história, e o roteiro nada faz para mudar essa percepção. Essa
falta de ousadia é o que, afinal, impede “Um divã para dois” de ser uma comédia
memorável, mantendo-a no nível de um entretenimento divertido, mas nunca
brilhante.
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