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HITCHCOCK

HITCHCOCK (Hitchcock, 2012, 20th Century Fox, 98min) Direção: Sacha Gervasi. Roteiro: John J. McLaughlin, livro "Alfred Hitchcock and the making of 'Psycho'", de Stephen Rebello. Fotografia: Jeff Cronenweth. Montagem: Pamela Martin. Música: Danny Elfman. Figurino: Julie Weiss. Direção de arte/cenários: Judy Becker/Robert Gould. Produção executiva: Ali Bell, Richard Middleton. Produção: Alan Barnette, Joe Medjuck, Tom Pollock, Ivan Reitman, Tom Thayer. Elenco: Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, Toni Collette, Danny Huston, James D'Arcy, Jessica Biel, Kurtwood Smith, Michael Stuhlbarg, Ralph Macchio. Estreia: 01/11/12

Indicado ao Oscar de Maquiagem
Todo cinéfilo que se preze já se deixou seduzir ao menos uma vez pela surpreendente e assustadora história do bizarro Norman Bates no inesquecível “Psicose” – o original de 1960 dirigido por Alfred Hitchcock, claro, e não a aberração comandada por Gus Van Sant em 1998. O que talvez nem metade das pessoas que pularam da cadeira com os sustos provocados pelo mestre do suspense sabem, porém, é que, mesmo com todo seu prestígio dentro da indústria, o cineasta inglês teve que lutar com unhas e dentes – e dívidas em cima de dívidas – para conseguir levar o livro de Robert Bloch às telas. Os bastidores da filmagem de um dos maiores clássicos do cinema – tão repletos de dramas e imprevistos quanto o próprio filme em si – serviram de mote para o livro “Hitchcock and the making of ‘Psycho’”, escrito por Stephen Rebello, e que, por sua vez, é a base na qual se sustenta “Hitchcock”, dirigido por Sacha Gervasi. Lançado quase ao mesmo tempo em que o televisivo “The girl” – que acompanhava os bastidores de outro filme essencial na carreira do cineasta, “Os pássaros” – a obra de Gervasi tem a seu favor o interesse que a simples menção do nome de Hitchcock desperta e o elenco formado por nomes conhecidos do grande público (Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, Jessica Biel). Porém, carece de foco e, paradoxalmente, tem mais cara de filme para a televisão do que seu rival temático (estrelado por Toby Jones).
Anthony Hopkins, mesmo sendo o grande ator que é, fica aquém do esperado em sua interpretação – talvez culpa da maquiagem que lhe tolhe os movimentos faciais (e mesmo assim foi indicada ao Oscar da categoria), talvez culpa do roteiro um tanto superficial, talvez culpa da direção frouxa de Gervasi. Mesmo que desapareça debaixo da pele do homem que legou ao mundo obras impecáveis como “Janela indiscreta” e “Um corpo que cai” – o ator galês não chega a dar alma a seu personagem, dando a impressão de limitar-se apenas a uma imitação, a uma mera mimese sem maior profundidade. Nem o artifício do roteiro de fazê-lo conversar com Ed Gein – o psicopata real que inspirou o livro de Robert Bloch – dá sustentação a seu trabalho. Na maior parte do tempo, Hitchcock parece apenas uma mimada criança grande, incapaz de lidar ao mesmo tempo com o trabalho, o casamento com sua parceira de todas as horas Alma Reville (Helen Mirren) e as paixões platônicas pelas estrelas de seus filmes (Grace Kelly acima de todas). Pode ser que Hitchcock fosse realmente assim e que o filme faça um retrato fiel de sua personalidade, mas é inegável que em boa parte do tempo essa opção não funciona.
A trama começa quando, procurando material para seu novo filme na Paramount depois do relativo fracasso de “Intriga internacional”, Hitchcock descobre o romance de Bloch, considerado pela crítica e por todo mundo que o rodeia uma subliteratura de mau-gosto. Acontece que, teimoso como ele só, o cineasta resolve ir contra a opinião de todos – inclusive de Alma, que tenta convencê-lo a dar uma chance ao romance de um amigo comum, Whitlock Miller (Danny Huston) – e levar o livro às telas. Começa aí sua via-crúcis: a Paramount se recusa a bancar um produto tão nitidamente fadado à execração pública e, corajosamente, Hitch resolve contrair dívidas pouco saudáveis para levar a ideia adiante – aceitando do estúdio a promessa de distribuir o filme desde que caiba a ele o controle total do resultado final (um trato extremamente arriscado). Dono de um senso de marketing genial, o cineasta faz com que se comprem todos os exemplares disponíveis do livro no país (como forma de manter em segredo as reviravoltas da trama), contrata o roteirista Joseph Estefano (Ralph Macchio, o Karatê Kid em pessoa) para adaptar o material e contrata atores não exatamente comerciais para os papéis centrais: a bela Janet Leigh (Scarlett Johansson), o promissor Anthony Perkins (James D’Arcy) e sua antiga obsessão Vera Miles (Jessica Biel) – a quem não consegue perdoar pelo fato de ter abandonado o projeto de “Um corpo que cai” para engravidar.

Pressionado pelo estúdio, desacreditado pelos executivos e afins do mundo do cinema, temeroso pelo resultado do filme nas bilheterias e sofrendo com as privações alimentares (não exatamente cumpridas) que sua saúde exige, Hitchcock ainda precisa lidar com um problema de nível pessoal: a desconfiança de que sua alma gêmea, a dedicadíssima Alma, possa estar tendo um romance extra-conjugal com o escritor Whittlock Miller. Esse desvio de rota – saindo do estritamente profissional dos sets de filmagens para entrar no âmbito pessoal e matrimonial do cineasta – acaba sendo o calcanhar de Aquiles do filme de Gervasi. Mesmo com a brilhante atuação de Helen Mirren, a trama paralela do possível envolvimento de Reville com outro homem prejudica consideravelmente o ritmo ágil (talvez em demasia, diga-se de passagem) daquele que deveria ser o principal ponto de interesse da história. Toda vez que a câmera deixa de lado as intrigas de bastidores de “Psicose” – as brigas com a censura, o relacionamento difícil entre o diretor e Vera Miles, a construção da genial trilha sonora de Bernard Herrman – para dedicar-se aos devaneios românticos/adúlteros de Alma, há uma perda de foco quase imperdoável.
E isso que nem mesmo depois de estar pronto “Psicose” deixou de dar trabalho a seu criador e sua equipe. Rejeitado pela Paramount para desespero do diretor, o filme voltou à sala de montagem e, com o apoio de Alma – além de alterações sutis mas bastante eficientes em aumentar o nível dos sustos – estreou com uma campanha de marketing das mais astuciosas, de causar inveja às intervenções milionárias das produções atuais. Seguranças contratados especialmente para impedir espectadores de entrarem nas salas de exibição depois do início das sessões, cortinas se fechando logo após o encerramento do filme (“para manter por mais tempo as sensações provocadas pela história”) e pedidos encarecidos do próprio Hitchcock para que o público não revelasse a ninguém o desfecho da trama foram algumas das medidas tomadas para que aquele que era considerado o “suicídio artístico” do mestre do suspense se tornasse o maior sucesso financeiro de sua carreira (além de lhe render uma indicação ao Oscar de melhor diretor). Os detalhes de sua concepção são deliciosos e é um prazer testemunhá-los, mas é inegável que fica no ar, ao fim dos créditos de encerramento, a nítida sensação de um filme que poderia ter sido bem melhor.
E realmente poderia. Tudo em “Hitchcock” é quase. O roteiro é simplista, sem profundidade dramática. A direção é esquemática e sem criatividade. O elenco faz o que pode com um material quase pobre (Helen Mirren é a única que consegue injetar consistência em sua interpretação). E até mesmo momentos que poderiam beirar o sublime (Hitch nos bastidores degustando a reação da plateia diante do assassinato no chuveiro mais famoso da história do cinema) chegam perto do risível. Não fosse “Psicose” a obra-prima que é – e que por consequência chama o interesse dos cinéfilos até mesmo indiretamente – o filme de Gervasi correria o sério risco de passar despercebido. Subaproveitando até mesmo a sempre ótima Toni Colette (aqui na pele da secretária do cineasta), “Hitchcock” é surpreendentemente inferior a seu rival televisivo. É leve, é simpático, mas superficial ao extremo. Hitch merecia algo melhor.

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