IRMÃOS DESASTRE (The skeleton twins, 2014, Duplass Brothers
Productions/Venture Forth, 93min) Direção: Craig Johnson. Roteiro: Craig
Johnson, Mark Heyman. Fotografia: Reed Morano. Montagem: Jennifer Lee.
Música: Nathan Larson. Figurino: Kaela Wohl. Direção de arte/cenários:
Ola Maslik/Lauren DeTitta, Zechariah Metzler. Produção executiva: Jay
Duplass, Mark Duplass, Jared Ian Goldman. Produção: Stephanie Langhoff,
Jennifer Lee, Jacob Pechenik. Elenco: Kristen Wiig, Bill Hader, Luke
Wilson, Ty Burrell, Joanna Gleason, Boyd Holbrook. Estreia: 18/01/14
(Festival de Sundance)
O nome da atriz Kristen Wiig e o patético título nacional podem fazer pressupor que "Irmãos Desastre" seja mais uma comédia típica
do cinemão comercial norte-americano - gênero que já legou atrocidades
como "Missão madrinha de casamento" e "Se beber não case". Porém, é bom
olhar com mais atenção: o filme de Craig Johnson tem, sim, momentos
bem-humorados, mas é, na verdade, um drama familiar bem mais
interessante e potente do que se poderia imaginar. E melhor ainda:
mostra em Wiig uma versatilidade e um um registro bem mais sério de
interpretação do que já mostrou anteriormente em sua elogiada carreira.
Ao lado do ator Bill Hader - também mais conhecido pelo público por
trabalhos em comédia - ela oferece ao espectador um trabalho capaz de
acabar com qualquer preconceito em relação a seu talento como atriz -
sem que para isso precise longos discursos, lágrimas a granel ou
histerias.
O filme de Johnson - um cineasta ainda sem
grandes filmes no currículo - é de uma delicadeza ímpar, ao conseguir
tratar seus espinhosos temas (homossexualidade, pedofilia, suicídio,
adultério) de forma leve e desprovida de julgamentos morais. Ao eleger
como protagonistas um casal de irmãos gêmeos traumatizados com o
suicídio do pai e a negligência da mãe egocêntrica, Johnson acertou em
cheio: seus personagens são humanos, verossímeis e dotados de uma
densidade dramática que vai se revelando aos poucos, até o final
realista e coerente. Tudo começa quando a dentista Maggie Dean (Kristen
Wiig) recebe um telefonema, avisando da tentativa de seu irmão gêmeo,
Milo (Bill Hader), de se matar cortando os pulsos. Ela acaba convencendo
o rapaz, um aspirante a ator que não via há dez anos, de ir passar uns
tempos com ela e o marido, Lance (Luke Wilson), em Nova York, mas
esconde dele o fato de estar justamente em vias de tomar um vidro
inteiro de pílulas para dormir no momento do telefonema do hospital.
Logo que chega à casa da irmã, Milo passa a fazer parte da rotina do
casal: Lance não vê a hora de ser pai e fazer uma viagem de lua-de-mel
ao Havaí, enquanto Maggie não tem entusiasmo por nenhuma das ideias (e
está se envolvendo sexualmente com seu professor de mergulho). O retorno
de Milo à sua cidade natal também não é propriamente tranquila:
homossexual assumido, ele volta a procurar seu antigo professor de
literatura, Rich (Ty Burrell, da série "Modern family"), com quem teve
um rumoroso caso no passado e tal reencontro o joga em rota de colisão
com a irmã, que não entende suas tendências autodestrutivas.
Dá
pra perceber, apenas pela sinopse, que "Irmãos Desastre" está longe de
ser uma comédia descerebrada. Mas o roteiro de Craig Johnson e Mark
Heyman vai ainda mais longe na reversão das expectativas. Mesmo que
utilize o dom de Wiig e Hader em fazer rir em algumas cenas, seu foco é
mostrar como traumas de infância são determinantes para a construção da
personalidade. Fãs do pai suicida e com uma relação difícil com a mãe
(Joanna Gleason), Milo e Maggie acabam por repetir, sem querer, as
tendências paternas de como fugir aos problemas, mas tem a sorte de
poder contar um com o outro, ainda que seu relacionamento por vezes
provoque faíscas perigosas. É sensacional, por exemplo, a sequência em
que os irmãos dublam "Nothing gonna stop us now" (da banda Starship) e
tocante o momento em que eles discutem furiosamente em consequência de
revelações pouco agradáveis com as quais são obrigados a lidar. A
maneira com que o roteiro intercala humor e drama - e se recusa a tomar
partido de qualquer um dos protagonistas, mostrando ambos como seres
humanos falíveis e até mesmo pouco confiáveis em determinadas
circunstâncias - é um dos pontos altos do filme, que aproxima seus
personagens da plateia dando a eles características universais. Sim,
Milo é gay e Maggie tem dificuldade em ser fiel, mas sua essência vai
muito além do que pode ser visto. E talvez resida aí a inteligência do
roteiro.
Pouco visto especialmente no Brasil, "Irmãos
Desastre" merece ser descoberto. Apesar do título horrendo e da
aparência de filme desprovido de qualquer conteúdo digno de nota, é um
trabalho sério e sensível, escrito e dirigido com delicadeza e senso de
humor, mas sem exagerar a dose de nenhum ingrediente. E além de revelar o
talento dramático de Kristen Wiig, Bill Hader e Ty Burrell, fala de
assuntos sérios sem pesar a mão nem deixar o espectador engasgado com a
pipoca. Uma pérola!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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