6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Richard Linklater), Ator Coadjuvante (Ethan Hawke), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette), Roteiro Original, Montagem
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Diretor (Richard Linklater), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
Em 1999, o cineasta Paul Thomas
Anderson criou, com seu impressionante “Magnólia”, um épico sobre pessoas
comuns e colheu elogios unânimes da crítica ao substituir cenas de ação e
milhares de figurantes por cenas intimistas e personagens cujas preocupações se
resumiam a brigar com seus fantasmas interiores. Quinze anos depois, um outro
norte-americano pôs seu nome na história do cinema ao levar ainda mais longe
esse conceito da grandiosidade do homem banal: com seu “Boyhood, da infância à
juventude”, Richard Linklater encantou críticos, desconcertou plateias e entrou
na corrida do Oscar 2015 com o pé direito, concorrendo a seis estatuetas –
perdeu as principais, mas deu à Patricia Arquette o prêmio de atriz
coadjuvante, repetindo a escolha do Golden Globe. O porquê de tantos aplausos
fica claro assim que os créditos finais começam a subir. Em duas horas e meia de
duração, Linklater conta, sem lances melodramáticos ou artifícios sentimentaloides,
a rotina de um menino normal, desde a escola primária até o momento em que ele
sai de casa para cursar a faculdade. Quando criança, Mason não era um garoto
problemático; na pré-adolescência, não afundou em drogas ou álcool; e quando
finalmente começou a viver de forma independente dos pais, mostra-se um rapaz
de confiança e surpreendentemente maduro. Mas é justamente por ser tão comum –
tedioso, diriam os detratores – que Mason é um dos personagens mais cativantes
do cinema ianque contemporâneo. E o que é mais admirável? Ele é vivido, dos
seis aos dezenove anos, pelo mesmo ator, Ellar Coltrane.
Ao contrário do que normalmente
acontece em filmes que retratam o processo de amadurecimento de um personagem
na transição entre a infância e a adolescência, o diretor não substituiu seu ator
central: o que se vê na tela é o trabalho de treze anos, condensado em 150
minutos de cenas desprovidas de emoções falsas e recheadas de uma naturalidade
rara no cinemão americano – algo talvez semelhante apenas à trilogia “Antes do
amanhecer”, “Antes do pôr-do-sol” e “Antes da meia-noite”, não por acaso
dirigida pelo mesmo Linklater: seu talento em criar diálogos críveis é tanto
que muita gente chegou a questionar sua indicação ao Oscar de roteiro original.
Compreensível. Acostumados a filmes que revestem sentimentos e relações humanas
com um verniz de previsibilidade cada vez maior, muitos espectadores não
souberam entender a proposta e o resultado final da obra. Afinal, pra que
perder quase três horas da vida assistindo a vida de um moleque sem grandes
problemas e que não possui nenhum poder alienígena? Todos aqueles que
embarcaram sem reservas na viagem de Linklater, porém, só tiveram uma opção:
considerar-se parte da família de Mason e acompanhar com carinhoso interesse
partes de uma vida que poderia facilmente ser a sua.
Quando o filme começa, Mason tem
seis anos de idade e é surpreendido com a notícia de que sua mãe, Olivia
(Patricia Arquette, em uma decisão corajosa de envelhecer praticamente diante
das câmeras), vai voltar a estudar, precisando, para isso, voltar à cidade
natal, no Texas. Ao lado da irmã mais velha, Samantha (Lorelei Linklater, filha
do diretor), o garoto precisa lidar com o fato de abandonar os amigos e sua
rotina. É nessa nova cidade que ele irá desenvolver-se, conhecer o amor,
desiludir-se, trabalhar para completar a renda doméstica, descobrir a paixão
pela fotografia e, vez ou outra, ter de lidar com os novos maridos da mãe – uma
mulher forte, decidida e amorosa, mas incapaz de acertar-se afetivamente.
Enquanto isso, vai firmando também a relação com o pai (Ethan Hawke), que,
mesmo depois da separação, nunca perdeu o contato com os filhos – ainda que com
menos frequência do que todos gostariam. Da primeira cena até o desfecho, não
há nenhuma sequência que manipule as emoções do espectador: o cineasta conduz
sua narrativa com leveza, bom-humor, ternura e um certo ar de nostalgia que
torna tudo ainda mais encantador. Ellar Coltrane, com seu ar ingênuo, constrói
um protagonista apaixonante, que se deixa levar pela vida com uma espécie de
sabedoria zen, como se soubesse que tudo é parte de uma experiência maior.
Ethan Hawke e Patricia Arquette encarnam com garra seus pais, oferecendo ao
público trabalhos extremamente difíceis justamente por sua aparente
simplicidade e a edição suave e fluida praticamente pega o público pela mão
enquanto o acompanha pelos anos dourados de Mason. Pontuado aqui e ali por
alguma referência pop – Britney Spears, Harry Potter, Lady Gaga – o roteiro não
deixa de ser, também, um panorama sensível de parte da história dos EUA através
dos olhos de um de seus filhos.
Linklater – preterido no Oscar por
Alejandro G. Iñarrítu e seu “Birdman” – merecia a estatueta. Não apenas por ter
investido mais de uma década em uma produção que corria o sério risco de nunca
ver a luz dos refletores (a filha do cineasta chegou a pensar em desistir do
projeto e Ethan Hawke aceitou a incumbência de levar a ideia adiante no caso da
morte do autor) mas por ter ousado desafiar um mercado avesso a novidades e à
quebra de paradigmas. Seu filme vai contra todas as regras do mercado – é longo
acima da média, não tem grandes astros ou orçamento milionário, não tem um
roteiro esquemático nem tampouco apela para efeitos especiais – e não tem a
menor vontade de pedir desculpas por isso. É maduro, é belo e valoriza os
pequenos momentos da vida como se eles fossem heroicos ou épicos. É, enfim, um
dos poucos filmes da história que podem ser considerados como um “retrato da
vida”. Muita gente pode torcer o nariz. Mas em inúmeras ocasiões a simplicidade
ainda é muito mais interessante do que o luxo, e isso fica óbvio quando o
espectador chega ao final do filme querendo ver mais e mais sobre a vida de
Mason Jr..
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