SEM
EVIDÊNCIAS (Devil's knot, 2013, Worldview Entertainment, 114min)
Direção: Atom Egoyan. Roteiro: Paul Harris Boardman, Scott Derrickson,
livro "Devil's knot: the true story of the West Memphis Three", de Mara
Leveritt. Fotografia: Paul Sarossy. Montagem: Susan Shipton. Música:
Mychael Danna. Figurino: Kari Perkins. Direção de arte/cenários: Philip
Barker/Melinda Sanders. Produção executiva: David Alper, Jason Baldwin,
Holly Ballard, Maria Cestone, Molly Conners, Scott Derrickson, Michael
Flynn, Sarah E. Johnson, Mara Leveritt, Jessie Miskelley Jr., Hoyt David
Morgan, Jacob Pechenik. Produção: Paul Harris Boardman, Elizabeth
Fowler, Clark Peterson, Richard Saperstein, Christopher Woodrow. Elenco:
Reese Witherspoon, Colin Firth, Alessandro Nivola, James Hamrick, Seth
Meriwether, Kristopher Higgins, Amy Ryan, Bruce Greenwood, Matt
Letscher, Martin Henderson, Elias Koteas, Dane DeHaan. Estreia: 08/9/13
(Festival de Toronto)
Nem mesmo o prestígio do
cineasta canadense Atom Egoyan e o elenco liderado por dois vencedores
do Oscar - Reese Witherspoon e Colin Firth - foram atrativos o bastante
para que o drama de tribunal "Sem evidências" encontrasse seu público ou
agradasse à crítica. Baseado em uma história real ocorrida em 1993, o
filme estreou no Festival de Toronto de 2013 e, ao contrário do que se
poderia esperar de uma produção com nomes tão fortes, foi praticamente
ignorado tanto nas bilheterias quanto nas cerimônias de premiação.
Principalmente por ter sido lançado depois da trilogia de documentários
"Paradise lost" - que tratava do mesmo assunto de forma bem mais
profunda e detalhada - o primeiro filme americano de Egoyan encontrou
resistência por parte da imprensa e passou quase em brancas nuvens pelos
cinemas americanos. Seria apenas mais um caso dentre tantos se não
fosse um detalhe: apesar de não ser uma obra-prima (nem tampouco o
melhor filme do cineasta que assinou o belo "O doce amanhã"), "Sem
evidências" é bastante interessante e não mereceu tamanha indiferença.
A
trama é instigante e chocante: em uma pequena cidade do Arkansas, três
meninos desaparecem misteriosamente e tem seus corpos encontrados alguns
dias depois, nus, amarrados e com sinais de tortura. A pressão popular
faz com que a polícia - que ignorou solenemente fatos estranhos
ocorridos logo após o sumiço das crianças, como o aparecimento de um
homem sangrando em um restaurante - chegue rapidamente à solução do
caso, prendendo três adolescentes locais, acusados pelo testemunho de
uma outra criança que diz ter assistido aos homicídios. De certa forma
aliviados pela resolução rápida do caso, os habitantes da cidade sequer
questionam os métodos da investigação e aceitam como fato consumado que
tudo não passou de um sacrifício humano para rituais de magia negra -
afinal, os jovens se vestem de preto, são tatuados, estranhos e falam a
quem estiver disposto a ouvir sobre suas relações com o ocultismo. Quem
não compra a teoria da polícia, no entanto, é Ron Lax (Colin Firth),
investigador particular que se une à equipe de defesa dos rapazes para
tentar descobrir a verdade sobre os crimes. Julgando que os réus estão
pagando por algo que não cometeram, ele acaba por despertar a antipatia
dos pais das vítimas, em especial Pam Hobbs (Reese Witherspoon), uma
mulher religiosa que não se conforma com a morte do filho.
Evitando
o excesso de flashbacks comum ao gênero, a narrativa clássica e direta
de "Sem evidências" procura ater-se basicamente aos fatos relativos aos
crimes e ao julgamento, ainda que sua opção em privilegiar o ponto de
vista de Lax deixe bem clara sua posição em relação ao veredicto.
Imparcial e buscando apenas a justiça pura e simples, o personagem
vivido com sutileza por Colin Firth contrasta violentamente com as
figuras de autoridade, que não hesitam em criar depoimentos falsos,
forjar provas e ignorar pistas em sua sede de solucionar seu caso. Ao
mostrar sem filtros a forma como toda uma cidade se volta contra jovens
que fogem do padrão de comportamento tido como normal - e que acaba
sendo a maior evidência contra eles - o filme de Egoyan também levanta
discussões importantes acerca de preconceito e hipocrisia, especialmente
quando se sabe que, após o julgamento, outros suspeitos bem menos
apropriados ao gosto dos cidadãos de bem foram considerados e
devidamente deixados de lado. Sem tentar dar respostas definitivas -
mesmo porque elas ainda não existem - o roteiro de "Sem evidências"
mostra os fatos de forma clara e objetiva e deixa que a plateia tire as
próprias conclusões (por mais óbvias que elas possam ser). E se tanto
Witherspoon quanto Firth estão contidos em suas atuações, é mérito do
diretor fazer com que sua história fale mais do que seus astros.
Com
sua história sendo contada em três frentes que jamais se atropelam
(mérito do roteiro e da edição discreta), "Sem evidências" acompanha o
julgamento dos acusados, as investigações de Lax e as tentativas de Pam
em retornar à vida normal com delicadeza ímpar. Fiel a seu estilo
emocionalmente econômico, Atom Egoyan só permite raramente que a dor de
Pam se sobressaia ao enfoque policial da narrativa, mas quando o faz
toca o coração da plateia sem apelar para o piegas. Talvez essa opção do
cineasta em privilegiar o tom sóbrio e a discrição tenha sido um dos
motivos da rejeição do filme pelo público e até pela crítica - que
provavelmente esperava algo mais potente de um diretor de seu porte. Mas
é inegável sua qualidade dramática, seu respeito pela história e pelos
personagens e, mais importante ainda, seu sucesso em evitar o
sensacionalismo. Não é espetacular, mas é um belo filme, apesar do
injusto fracasso afirmar o contrário.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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