NINFOMANÍACA, VOLUME 1 (Nymphomaniac: Vol. I, 2013, Zentropa
Entertainments, 117min) Direção e roteiro: Lars Von Trier. Fotografia:
Manuel Alberto Claro. Montagem: Morten Hojberg, Moly Marlene Stensgaard.
Figurino: Manon Rasmussen. Direção de arte/cenários: Simon Grau
Roney/Thorsten Sabel. Produção executiva: Peter Garde, Peter Aalbaek
Jensen. Produção: Louise Vesth. Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stellan
Skarsgard, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Christian Slater, Uma Thurman,
Sophie Kennedy Clark, Connie Nielsen. Estreia: 25/12/13
Lars
Von Trier é um cineasta que não tem medo de polêmicas - e, a julgar por
sua filmografia recheada de obras provocantes como "Anticristo",
"Dogville" e "Ondas do destino" até as procura constantemente. Depois de
ter sido banido do Festival de Cannes 2011 por declarações consideradas
antissemitas - ele afirmou entender Hitler - o dinamarquês voltou às
manchetes no final de 2013 graças a mais um projeto cinematográfico
ousado e controverso: dividido em dois volumes lançados simultaneamente,
"Ninfomaníaca" já despertava furiosas discussões ao redor do mundo
antes mesmo de sua estreia. O motivo? Mais do que nunca, Trier dava
munição de sobra a todos que sempre o acusavam de misoginia ao contar a
dramática história de Joe, uma mulher cuja impossibilidade de resistir a
seus desejos a leva a uma vida repleta de dor e sofrimento. Porém, mesmo que dê continuidade à linhagem de mártires femininas criadas pelo diretor, Joe é, ao mesmo tempo, vítima e heroína, dona de uma complexidade dramática de que só mesmo o talento da atriz Charlotte Gainsbourgh - parceira constante do diretor - conseguiria dar conta. O resultado é uma obra perturbadora como todos os trabalhos anteriores de Trier, mas bem menos "pornográfico" do que o marketing e a curiosidade do público previam.
Misturando matemática, música clássica e filosofia a uma receita explosiva por natureza, Lars Von Trier narra a saga de Joe através de flashbacks, quando ela conta sua história ao solidário Seligman (Stellan Skarsgard), que a encontra caída e extremamente ferida perto de sua casa. Sentindo que pode confiar no homem que a ajudou, Joe revela a ele sua trajetória sexual, que teve início já na infância em brincadeiras com uma amiga. Aos poucos, ela passa para situações mais intensas, como a traumática perda da virgindade com Jerôme (Shia LaBeouf), que a atormentará pela vida inteira. Enquanto discute teorias matemáticas com Seligman e ouve suas histórias sobre pescaria - hobby que ele compara ao vício dela - Joe também revela a importância de seu relacionamento com o pai amoroso (Christian Slater), a amizade competitiva com B (Sophie Kennedy Clark) - que a incentivava a praticar atos ousados como transar com todos os passageiros possíveis de um trem - e a forma como gerenciava uma vida preenchida por inúmeros casos sexuais concomitantes e que resultou em uma experiência pouco agradável com a esposa de um dos amantes (Uma Thurman). Dotada de extrema autocrítica, Joe prepara o espírito de Seligman para chegar até o clímax de sua história - e que a fez acabar espancada na porta de sua casa.
"Ninfomaníaca, volume 1" não é um filme erótico, apesar do que pode parecer ao público menos informado: tudo bem que Lars Von Trier não se furta a mostrar cenas bem mais ousadas do que acontece no cinema comercial, mas não existe gratuidade nas sequências que mostram as desventuras sexuais de sua protagonista. Mesmo em momentos mais explícitos, não é intenção do filme excitar o espectador, e sim retratar com o máximo de realismo a rotina de uma mulher presa a suas próprias armadilhas. Joe sabe desde cedo onde colocar o desejo que lhe acomete - e, a princípio, o faz sem culpa e com um prazer que não teria como passar em branco por um mundo machista e propenso a todo tipo de julgamentos morais. E o castigo por sua liberdade, como se poderia esperar de um filme assinado por Von Trier, vem sem piedade justamente quando ela sente-se disposta a entregar-se ao amor - em uma cena angustiante que prepara o público para a segunda parte, que levará a protagonista ao fundo do poço físico e moral.
Mesmo que seja o rosto de Charlotte Gainsbourgh que enfeite os cartazes de "Ninfomaníaca", é inegável que boa parte do impacto do filme se deve à performance corajosa e intensa de Stacy Martin, que se entrega sem medo ao desafio de interpretar a juventude de Joe mesmo em cenas pra lá de quentes. Com um rosto angelical que contrasta com a voracidade do desejo sexual de sua personagem, Martin cativa a plateia com um misto de conformismo e sensualidade, enquanto contracena com atores do porte de Uma Thurman, Christian Slater e Shia LaBeouf em dias inspiradíssimos. Fotografado com capricho e criativo na edição - que mantém a atenção da plateia do primeiro ao último minuto de projeção - o filme de Von Trier é um primeiro capítulo instigante, repleto das maiores qualidades do cinema do diretor (e também um prato cheio para seus detratores). Como filme é fascinante, e como discussão é ainda melhor, ainda que só faça sentido completo após o término do segundo volume.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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