TRAPAÇA (American hustle, 2013, Columbia Pictures/Annapurna
Pictures/Atlas Entertainment, 138min) Direção: David O. Russell.
Roteiro: David O. Russell, Eric Warren Singer. Fotografia: Linus
Sandgren. Montagem: Alan Baumgarten, Jay Cassidy, Crispin Struthers.
Música: Danny Elfman. Figurino: Michael Wilkinson. Direção de
arte/cenários: Judy Becker/Heather Loeffler. Produção executiva: Matthew
Budman, Bradley Cooper, George Parra, Eric Warren Singer. Produção:
Megan Ellison, Jonathan Gordon, Charles Roven, Richard Suckle. Elenco:
Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy
Renner, Robert DeNiro, Louis C.K., Jack Huston, Michael Peña, Shea
Whigham, Alessandro Nivola. Estreia: 12/12/13
10
indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (David O. Russell), Ator
(Christian Bale), Atriz (Amy Adams), Ator Coadjuvante (Bradley Cooper),
Atriz Coadjuvante (Jennifer Lawrence), Roteiro Original, Montagem,
Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor de 3 Golden
Globes: Melhor Filme (Comédia/Musical), Atriz Comédia/Musical (Amy
Adams), Atriz Coadjuvante (Jennifer Lawrence)
Em 1999 o cineasta David O. Russell realizou um dos primeiros filmes
americanos a tratar sobre a guerra no Golfo, a comédia de ação "Três
reis", que demonstrava um senso de humor afiado e uma criatividade que
seria ainda mais perceptível no bizarro "Huckabees, a vida é uma
comédia", lançado cinco anos depois. Depois disso, de uma hora pra
outra, o nova-iorquino tornou-se um queridinho absoluto da
Academia. "O vencedor", de 2010, deu a Christian Bale e Melissa Leo os
Oscar de coadjuvante, além de ter indicado Amy Adams na mesma categoria.
"O lado bom da vida", de 2012, premiou Jennifer Lawrence como melhor
atriz - e indicou também Bradley Cooper a melhor ator e Robert DeNiro e
Jackie Weaver a coadjuvantes. Ambos concorreram aos Oscar de filme,
direção e roteiro. Coroando uma fase sem igual, Russell repetiu o
feito na cerimônia de 2014: "Trapaça", seu trabalho seguinte, concorreu a dez estatuetas,
incluindo as cinco principais - além de, como aconteceu no ano anterior,
ter todos os seus quatro atores principais entre os finalistas nas
categorias de interpretação. Isso tudo - mais o Golden Globe de melhor
comédia/musical e o prêmio de melhor filme pela Associação de Críticos
de Nova York - levantou uma importante questão: o filme era assim tão
bom?
Se depender do resultado negativo dos mesmos
acadêmicos que o homenagearam com uma dezena de indicações e o deixaram
sair da cerimônia de mãos vazias, a resposta é um sonoro "não". Porém, é
impossível negar que, apesar de sua vontade explícita de ser um
clássico instantâneo, "Trapaça" é uma obra até divertida, desde que
vista sem maiores expectativas. Seu maior problema é a ambição: enquanto
seus dois filmes anteriores eram calcados basicamente em personagens,
sua terceira obra consecutiva a chegar ao Oscar é recheada de pretensões
estilísticas que infelizmente cansam mais do que encantam. Bebendo
diretamente na fonte do cinema enérgico e marginal de Martin Scorsese,
incluindo narrações em off de mais de um personagem, Russell apenas
confirma que não tem talento para sair de sua zona de conforto. A
narrativa é confusa, lenta e alguns personagens são simplesmente
irritantes. Ironicamente, o cineasta disputou a estatueta de melhor
diretor com o próprio Scorsese, que estava no páreo pelo irônico "O lobo
de Wall Street" - no qual se reinventava novamente. Ambos perderam para
Alfonso Cuarón e seu soporífero "Gravidade", mas, por mais difícil que
seja de acreditar, o aprendiz com sua versão light dos filmes de golpe
parecia ter mais chances que o mestre com seu sarcasmo e ousadia.
A trama de "Trapaça" é complexa como convém a um filme que trata de
golpes financeiros, mas narrada de forma convencional, sem maiores
arroubos de criatividade, preocupando-se mais com as relações
interpessoais de seus personagens, interpretados por atores em momentos
de rara inspiração, ainda que por vezes forçados. Christian Bale está mais uma vez irreconhecível como
Irving Rosenfeld, um golpista que, em 1977, é forçado a trabalhar ao
lado do agente do FBI Ritchie DiMaso (Bradley Cooper) como forma de ter
seus crimes perdoados. Casado com a perua Rosalyn (Jennifer Lawrence) -
acostumada com os luxos que uma vida de crime proporciona - Rosenfeld
conta com a ajuda de sua amante, Sydney (Amy Adams), para tentar jogar o
político Carmine Polito (Jeremy Renner) e outros figurões atrás das grades. Logicamente
nem tudo sai como o planejado, o que leva todos a situações inesperadas -
e a um final inteligente o bastante (mas quase previsível) para justificar os momentos menos
ágeis do roteiro.
No fundo, a profusão de indicações de "Trapaça" ao Oscar teve mais a ver com os valores de
produção - por se passar no final da década de 70 os figurinos e os
cenários mereceram cuidado especial - e o elenco do que exatamente por
suas qualidades inovadoras. Parte de um subgênero do cinema
hollywoodiano - os filmes de roubo - a obra de Russell segue sua
cartilha à risca, criando personagens simpáticos em sua marginalidade e
uma trama rocambolesca na medida exata para prender a atenção e não
confundir o público. Se Amy Adams utiliza a sensualidade pela primeira
vez em sua carreira em um interpretação impecável e Bale mais uma vez
mostra que é um ator extraordinário, os coadjuvantes Bradley Cooper e
Jennifer Lawrence (protagonistas do filme anterior do diretor) não fazem
feio, ainda que a elogiada Lawrence talvez exagere um pouco nas tintas
de sua personagem - culpa dela, da direção ou do excesso de expectativa em torno de seu nome?
Em
resumo, "Trapaça" é filme razoável mas jamais brilhante, simpático mas
nunca encantador. O excesso de indicações ao Oscar talvez tenha
representado mais um exemplo de alucinação coletiva que acomete
frequentemente a Academia do que um atestado de suas qualidades. Apenas
um passatempo com mais ambições do que acertos. E além do mais, tem Robert DeNiro em um papel decente, o que não é sempre que acontece ultimamente.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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