Com os direitos dos homossexuais a cada dia mais garantidos nos EUA, um pequeno fenômeno começou a tomar conta da dramaturgia norte-americana: filmes e seriados que voltam seu olhar para a terceira idade, uma parcela da população gay normalmente relegada a notas de rodapé do gênero. Na televisão, "Transparent" mostra a reação de uma família quando o patriarca assume seu lado crossdresser (homens que se vestem de mulher sem necessariamente sentir-se atraídos por outros homens) e "Grace & Frankie" (com Jane Fonda e Lily Tomlin) conta a história de duas mulheres de setenta anos que precisam lidar com o fato de seus maridos serem amantes há anos. No cinema, um belo exemplo da vertente é "O amor é estranho", uma produção independente que estreou no Festival de Sundance de 2014 e conquistou elogios calorosos da crítica apesar de ter passado quase em brancas nuvens nos cinemas ianques quando estreou pra valer, no segundo semestre. Lembrado por premiações relativamente importantes - o Independent Spirit Awards o indicou em quatro categorias e o Satellite Awards em duas - o filme de Ira Sachs merece ser descoberto por inúmeras razões, mas a principal delas é, sem dúvida, a escolha certeira dos protagonistas.
Dois atores geniais e subestimados, Alfred Molina e John Lithgow são os principais nomes do elenco escalado por Sachs. O primeiro interpreta George Garea, um professor de música adorado pelos alunos e admirado pela comunidade acadêmica. Lithgow vive Ben Hull, um pintor talentoso mas pouco valorizado pelo mercado nova-iorquino. Os dois vivem juntos e apaixonadamente há quase quarenta anos e finalmente decidem se casar, amparados pelos novos ares libeirais que lhes permite a oficialização do relacionamento. A felicidade, porém, dura pouco. George é demitido da escola católica onde lecionava (culpa dos rígidos princípios morais da instituição) e, sem conseguir manter o apartamento onde moravam, os dois são obrigados a viver separadamente até que a situação se ajeite. George vai morar com um casal de amigos policiais, Ted (Cheynne Jackson) e Roberto (Manny Perez), e Ben passa a dividir o quarto com o adolescente rebelde Joey (Charlie Tahan), filho de seu sobrinho Elliott (Darren Burrows) e da escritora Kate (Marisa Tomei). Mesmo com a boa-vontade dos anfitriões, porém, eles não conseguem deixar de sentir falta de sua antiga vida, especialmente quando Ben passa a desconfiar que sua presença na casa do sobrinho pode estar causando uma crise em seu casamento.
Emocionante sem ser piegas e com senso de humor sem apelar para piadas previsíveis ou bobas, o roteiro de "O amor é estranho" conquista o espectador por ser o mais perto possível da realidade. Seus personagens centrais não são galãs assépticos tampouco símbolos sexuais desejáveis. As pessoas que os rodeiam não são vilões cruéis nem exemplos de bondade e altruísmo. Seus problemas são verossímeis - aluguel excessivo, preconceito, idade avançada - e seus momentos de felicidade soam extremamente genuínos, como se fossem de pessoas da família. Os diálogos são frescos, diretos, de uma simplicidade comovente e inteligente. E a forma como Sachs - que tem no currículo outro filme de temática gay, chamado "Deixe a luze acesa", de 2012, mais pesado e menos simpático - conduz sua narrativa tem uma suavidade que cativa a audiência e permite que ela chegue às cenas finais torcendo por um final feliz mais que merecido. Em cenas românticas nunca exageradas ou caricatas, Lithgow e Molina vivem momentos especialíssimos na carreira, construindo personagens que poderiam facilmente cair na armadilha do exagero de forma sutil e discreta. Juntos, eles formam um casal contra o qual é impossível não torcer.
Um drama romântico leve, sensível e repleto de boas intenções, "O amor é estranho" brinda o espectador com uma história que emociona e faz refletir, que faz questionar a forma como a vida é vivida e a importância de cada momento. É um trabalho simples e eficiente, capaz de arrancar lágrimas e sorrisos com a mesma facilidade. Merece ser descoberto.
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