ÁLBUM
DE FAMÍLIA (August: Osage County, 2013, The Weinstein Company, 121min)
Direção: John Wells. Roteiro: Tracy Letts, peça teatral de sua autoria.
Fotografia: Adriano Goldman. Montagem: Stephen Mirrione. Música:
Gustavo Santaolalla. Figurino: Cindy Evans. Direção de arte/cenários:
David Gropman/Nancy Haigh. Produção executiva: Ron Burkle, Celia Costas,
Jerry Frankel, Claire Rudnick Polstein, Jeffrey Richards, Bob
Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: George Clooney, Jean Doumanian,
Grant Heslov, Steve Traxler. Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Ewan
McGregor, Sam Shepard, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch, Juliette
Lewis, Abigail Breslin, Margo Martindale, Julianne Nicholson, Dermot
Mulroney. Estreia: 09/9/13 (Festival de Toronto)
2 indicações ao Oscar: Atriz (Meryl Streep), Atriz Coadjuvante (Julia Roberts)
O dramaturgo Tracy Letts foi apresentado ao público cinéfilo com o
ultra-violento e cínico “Killer Joe, matador de aluguel”, que chegou às telas
sob a direção do veterano John Frankenheimer e apresentava uma família cuja
desfuncionalidade chegava às raias do assassinato. Os personagens de “Álbum de
família”, também baseado em um de seus textos teatrais, não alcançam tal
extremo, mas dificilmente podem ser considerados exemplos de equilíbrio e
respeito por laços de sangue. Interpretados por alguns dos maiores nomes do
cinema atual, os membros da família Weston fazem desfilar pela tela, em cerca
de duas horas de duração, um festival de rancores, humilhações, ciúmes, inveja
e agressão capaz de causar inveja à Tenessee Williams e Edward Albee.
Infelizmente, nem mesmo a experiência do elenco excepcional consegue disfarçar
a inseguirança do diretor John Wells, que, confiando plenamente em seus atores
e no texto pulsante de Letts, parece ter medo de fugir da armadilha do teatro
filmado.
Ok, Wells até foge dos limites do cenário único – no caso, a velha casa da
família Weston, localizada na pequena cidade de August, condado de Osage (daí o
título original) – mas não é o bastante para esconder as origens teatrais da
história. Para sua sorte, o texto de Letts é ágil o bastante para prender a
atenção do público até suas cenas finais, principalmente porque os dramas do
clã retratado pelo dramaturgo são os mais variados possíveis, indo de romances
ilícitos até a segredos mantidos por décadas. No centro de todo o furacão
emocional está a matriarca Violet (Meryl Streep no papel que lhe rendeu sua 18ª indicação ao Oscar), que
depois do desaparecimento do marido, Beverly (Sam Shepard), recebe em sua
propriedade toda a sua família - e, junto com ela, uma série de problemas que
resolvem vir à tona encorajados pela falta de tato da anfitriã, que sofre de
câncer na língua e vê seus medicamentos falarem mais alto que a delicadeza. É
assim que ela enfrenta, amarga e cruel, a filha mais velha, Barbara (Julia
Roberts), que passa por uma grave crise no casamento com Bill (Ewan McGregor) –
cujo relacionamento extraconjugal com uma mulher mais jovem não consegue ser
esquecida por ela – e na criação da única filha, a adolescente Jean (Abigail
Breslin em papel para o qual foi testada a também excelente Chloe Grace
Moretz). Barbara era a filha preferida de Beverly, e quando ele finalmente é
encontrado morto, seu funeral aprofunda ainda mais as diferenças da família.
A única que ficou em casa cuidando da mãe durante sua doença, Ivy (Julianne
Nicholson) é tratada com desprezo por Violet, que não vê nela a capacidade de
casar ou viver uma história de amor – em segredo, porém, ela está apaixonada e
é correspondida pelo primo, Charlie (Benedict Cumberbatch), que, assim como ela,
é menosprezado pela mãe, Mattie Fae (a ótima Margo Martindale substituindo
Kathy Bates, sondada pela produção), mas protegido pelo pai, Charles (Chris
Cooper). Fechando o barulhento grupo está a caçula do trio de filhas de Violet,
a inconsequente Karen (Juliette Lewis), que chega acompanhada do novo namorado,
Steve (Dermot Mulroney) – que acaba por se engraçar com a adolescente Jean,
para desespero de Barbara e Bill. Testemunhando toda a confusão, há a empregada
doméstica Johnna (Misty Uphaim),
de origem indígena e alvo de constantes ataques de racismo por parte de Violet.
É essa família que irá passar um fim-de-semana inteiro lavando a roupa suja
acumulada por anos e anos de segredos e meias-verdades.
“Álbum de família” é um show de atores. John Wells nem tem muito trabalho em
comandar seu elenco, completamente à vontade em papéis repletos de
possibilidades – todas elas exploradas à perfeição. Os embates mais verbalmente
violentos – entre Meryl Streep e Julia Roberts, ambas indicadas pela Academia –
são uma delícia de assistir, principalmente porque Streep deita e rola com uma
personagem francamente desagradável e hostil e Roberts deixa de lado sua
persona de estrela para entregar uma atuação forte e visceral. Wells não se
preocupa em criar um visual marcante, preferindo dedicar-se a aproveitar a
carpintaria dramática do texto de Letts – com reviravoltas dignas de uma boa
telenovela – como base para seu filme. Experiente em programas de televisão
(dirigiu vários episódios da série “Plantão médico”) mas com apenas um outro
filme no currículo, o pouco visto “A grande virada”, de 2001, Wells não
consegue escapar de uma direção pouco inventiva e ousada. Mesmo que a produção
caminhe sem trancos até o final (diferente do desfecho da peça) fica a nítida
impressão de um filme que não atingiu todo o seu potencial. Ainda assim, é um
prazer enorme ser testemunha de tantos shows de interpretação concentrados em
pouco mais de duas horas.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
terça-feira
ÁLBUM DE FAMÍLIA
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