TOM
NA FAZENDA (Tom à la ferme, 2013, MK2 Productions/Arte France Cinéma,
102min) Direção: Xavier Dolan. Roteiro: Xavier Dolan, Michel Marc
Bouchard, peça teatral de Michel Marc Bouchard. Fotografia: André
Turpin. Montagem: Xavier Dolan. Música: Gabriel Yared. Figurino: Xavier
Dolan. Direção de arte/cenários: Colombe Raby/Pascale Deschênes.
Produção executiva: Xavier Dolan, Nancy Grant. Produção: Xavier Dolan,
Charles Gillibert, Nathanael Karmitz. Elenco: Xavier Dolan, Pierre-Yves
Cardinal, Lise Roy, Evelyne Brochu, Manuel Tadros. Estreia: 02/9/13
(Festival de Veneza)
Menino-prodígio do cinema
canadense, Xavier Dolan tomou o mundo de assalto logo em sua estreia
como cineasta, o biográfico "Eu matei a minha mãe", lançado quando ele
tinha apenas 20 anos de idade e que lhe rendeu entusiasmados elogios e
prêmios, inclusive no sisudo Festival de Cannes. Depois disso, lançou o
estiloso "Amores imaginários" - que enfatizava seu cuidado com o visual e
o tornou queridinho do público que buscava um cinema que transitasse
entre a seriedade do cinema francês e o tom mais comercial das produções
hollywoodianas. Porém, depois do quase pretensioso "Laurence Anyways" -
também premiado em Cannes a despeito de seus excessos - o ainda jovem
Dolan (nascido em 1989) mostrou que também sabe ser sutil. Lançado no
Festival de Veneza de 2013, "Tom na fazenda" surpreendeu por deixar de
lado todas as características tão marcantes na filmografia do diretor (a
passionalidade juvenil, a preocupação em exagero com o visual, a
dificuldade em cortar cenas desnecessárias) e começar uma fase de
maturidade em sua carreira. É uma grata surpresa, até mesmo para seus
detratores.
Pela primeira vez utilizando material
alheio - no caso uma peça teatral do corroteirista Michel Marc Bouchard -
Dolan conta uma história onde os silêncios, o não-dito e o subtexto são
muito mais importantes do que os diálogos, que surgem apenas como mapa
para uma história de sentimentos dúbios e doentios. O próprio diretor
ficou com o papel central, o publicitário Tom, que deixa Montreal para
acompanhar o funeral do namorado, em uma cidade do interior do Canadá.
Hospedado na fazenda de propriedade da família do rapaz - que escondia
da mãe sua condição de homossexual - ele imediatamente percebe que terá
grandes problemas em lidar com o irmão do morto, o truculento Francis
(Pierre-Yves Cardinal), que tão logo o vê inicia um processo pouco
discreto de bullying. Enquanto engole em seco as provocações do
"cunhado" - que também lhe dá inúmeras mostras de uma personalidade
torturada - Tom ainda precisa convencer Agathe (Lise Roy), a mãe dos
dois, que seu filho Guillaume tinha uma noiva na cidade. Para isso, ele
conta com a ajuda da amiga Sarah (Evelyne Brochu), que chega à fazenda
justamente quando a relação entre Tom e François já está ultrapassando
os limites da normalidade.
Um
filme construído mais em cima de perguntas do que de respostas - como
Guillaume morreu? qual era exatamente a relação dele com o irmão? por
que François ainda mora com a mãe? por que Tom simplesmente não vai
embora da fazenda quando os ataques de François aumentam de intensidade?
o que dizia nos diários de Guillaume? - "Tom na fazenda" é precioso por
deixar que o público preencha as lacunas da história de acordo com sua
imaginação. Até mesmo a tendência de Dolan em exprimir-se através de
gritos é deixada de lado, mostrando um lado até então desconhecido do
ator, que injeta intensidade em seu personagem através de olhares
(apavorados, devastados, desejosos, tímidos) e não apenas dos diálogos
poderosos de Bouchard - que também dão oportunidade aos ótimos Lise Roy
(em papel que também defendeu nos palcos) e Pierre-Yves Cardinal,
perfeito na pele de um homem cuja verdadeira face se mantém escondida
até mesmo quando tudo parece estar claro. Dolan acerta em priorizar a
dinâmica da relação entre Tom e François - a força-motriz da trama - e o
faz com uma sutileza surpreendente, acentuada pela trilha sonora
discreta do premiado Gabriel Yared que dá espaço até mesmo para a
melancólica "Going to a town", cantada por Rufus Weinright nos créditos
de encerramento.
Ao deixar no espectador uma constante
sensação de perigo e tensão, Javier Dolan consegue, com "Tom na
fazenda", a façanha de unir, em um mesmo filme, o drama da morte, a
angústia de ter que esconder a real identidade, o medo da violência e a
sensação indescritível do desejo pelo perigo. Cineastas mais experientes
talvez tivessem dificuldade em mesclar tantos elementos, mas Dolan,
felizmente, acertou em cheio - e preparou a audiência para seu filme
seguinte, o devastador "Mommy", em que fez as pazes com o passado e
mostrou uma maturidade precoce e muito bem-vinda.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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