O
QUINTO PODER (The fifth state, 2013, DreamWorks SKG/Reliance
Entertainment, 128min) Direção: Bill Condon. Roteiro: Josh Singer,
livros "Inside WikiLeaks: my time with Julian Assange at the world's
most dangerous website", de Daniel Domscheit-Berg e "WikiLeaks: inside
Julian Assange's war on secrecy", de David Leigh, Luke Harding.
Fotografia: Tobias Schliesser. Montagem: Virginia Katz. Música: Carter
Burwell. Figurino: Shay Cunliffe. Direção de arte/cenários: Mark
Tildesley/Veronique Melery. Produção executiva: Paul Green, Jonathan
King, Jim Shamoon, Richard Sharkey, Jeff Skoll. Produção: Steve Golin,
Michael Sugar. Elenco: Benedict Cumberbatch, Daniel Bruhl, Alicia
Vikander, Laura Linney, David Thewlis, Stanley Tucci, Alexander Beyer,
Dan Stevens. Estreia: 05/9/(Festival de Toronto)
A
história real de Julian Assange e a criação do WikiLeaks - um site que
revelava ao público documentos confidenciais de governos do mundo
inteiro e que por consequência ganhou o status de ameaça internacional -
tem todos os elementos dos melhores thrillers políticos, na
melhor tradição de "Todos os homens do presidente" e "A trama",
sintomaticamente dirigidos pelo mesmo Alan J. Pakula. Porém, assim que o
projeto foi anunciado, um problema (previsível mas mesmo assim
preocupante) surgiu no horizonte dos produtores: como contar ao
espectador uma história cujo final ainda não aconteceu - e mais
importante ainda, é passível de ter novos capítulos pelos próximos anos?
Somado a essa dúvida cruel - mais ou menos resolvida com a decisão de
adaptar dois livros escritos sobre o assunto (um deles pelo assessor
mais próximo de Assange, que tornou-se desafeto) - veio ainda, antes do
começo das filmagens, outras pedras no caminho. Um roteiro ainda não
oficial caiu nas mãos de Assange (nenhuma surpresa, uma vez que ele
tinha acesso até mesmo a telegramas da CIA) e o próprio começou uma
campanha contra o filme, chamando-o de "mentiroso e tendencioso" e
escrevendo um e-mail ao ator Benedict Cumberbatch implorando para que
ele não aceitasse o papel central. Tal súplica não funcionou: não apenas
Cumberbatch aceitou protagonizar "O quinto poder" - substituindo a
escolha inicial, Jeremy Renner - como o filme estreou no Festival de
Toronto de 2013 cercado de expectativas. Para alegria de Assange, no
entanto, a obra de Bill Condon não entusiasmou muita gente - a crítica
se dividiu e o público praticamente ignorou.
Tal
indiferença em relação a "O quinto poder" não deixa de ser injusta,
porém. Mesmo que esteja longe de ser um "A rede social" - brilhante
filme de David Fincher sobre Mark Zuckerberg e a fundação do Facebook - o
trabalho de Condon é visualmente criativo, quase didático em sua forma
de explicar a forma com que o WikiLeaks funcionava e conta com um elenco
excelente defendendo personagens dúbios e longe do tradicional
maniqueísmo de Hollywood. Talvez essa opção do roteiro de Josh Singer
seja sua maior ousadia: ao tirar do público a chance de torcer por um
herói bem definido - Assange tem sérios problemas éticos e nem mesmo seu
homem de confiança pode ser considerado um exemplo de conduta, mesmo
quando se revolta contra os métodos pouco louváveis do colega - Singer
entra no perigoso território dos filmes que propõem à audiência o pacto
poucas vezes aceito de ser conquistado por uma história sem certo ou
errado. É corajoso, mas não funciona em todos os momentos,
principalmente porque o protagonista não apenas carece de limites morais
bem definidos: ele sofre de uma crucial falta de carisma.
Não
que Benedict Cumberbatch não seja um ator carismático, pelo contrário.
Mas exatamente por seu enorme talento em transformar-se nos personagens
que interpreta, ele desaparece debaixo dos cabelos brancos de Assange e
de sua paranoia (muitas vezes justificável), deixando ao público a dura
tarefa de compreender seus atos e sua arrogância diante dos inimigos -
que vão se acumulando perigosamente conforme ele avança em seu objetivo
de escancarar aos leitores todas as mazelas governamentais do mundo
(literalmente). Solitário como somente os paranoicos conseguem e
petulantes como apenas os gênios sabem, Assange tornou-se, do dia para a
noite, em inimigo público número 1 do poder, especialmente ao bater de
frente contra ditaduras sanguinárias e expor as reais intenções do
governo americano em relação à guerra no Afeganistão. Unindo-se a
expoentes da mídia internacional, ele acabou por - segundo o roteiro, é
bom sempre lembrar - entrar em rota de colisão com a única pessoa em
quem confiava cegamente, seu amigo e parceiro de site Daniel Berg
(Daniel Bruhl, herdando papel de James McAvoy e entregando uma segunda
performance impecável no mesmo ano, depois do Niki Lauda que viveu em
"Rush, no limite da emoção"). Recusando-se a ficar ao lado de Assange em
uma situação crítica que pode ter resultados sangrentos, Daniel se
afasta e passa a ser visto como traidor.
"O quinto
poder" é um belo filme. Bill Condon (roteirista de "Chicago" e diretor
de "Deuses e monstros" e "Kinsey") é um cineasta cuidadoso, inteligente e
criativo - e isso fica óbvio em sequências sensacionais, como aquelas
que mostram metaforicamente a destruição do site. Até mesmo as
participações pequenas mas essenciais de Laura Linney e Stanley Tucci
são precisas, bem dirigidas e elegantes, como sempre acontece nas obras
de Condon, e a edição ágil transmite com exatidão o clima de urgência da
trama. Típico caso de filme mal-compreendido (ou mal vendido, ou mal
divulgado), "O quinto poder" merece uma segunda chance, se não pela
história empolgante ao menos pelo elenco espetacular e a condução
esperta de Bill Condon. E além do mais, é uma essencial maneira de
entender um dos períodos mais cruciais da política internacional do
século e uma de suas personalidades mais fascinantes.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
JADE
JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...
-
EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Osterg...
-
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (Presumed innocent, 1990, Warner Bros, 127min) Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: Frank Pierson, Alan J. Paku...
-
NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteir...
2 comentários:
Sem dúvida um filme que vale a pena, recomendo Race tambem com Carice van Houten. É interessante ver um filme que está baseado em fatos reais, acho que são as melhores historias, porque não necessita da ficção para fazer uma boa produção. Gostei muito dos filmes de Carice Van Houten, especialmente Race, não conhecia a história e realmente gostei. Super recomendo.
Ele tem uma historia sensacional. Eu gosto muito de filmes baseados em fatos reais. Quero muito assistir Brexit que estreia no mês que vem. Este filme me parece ser um dos melhores e mais aguardados do gênero de drama que está pra estrear. Só pelo trailer, é impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia. A maioria dos filme sobre política são cansativos e este parece estar longe de ser, só pelo assunto e pelos atores. Eu estou ansiosa para assistir e, com toda certeza, verei na estreia.
Postar um comentário