quinta-feira

O LOBO ATRÁS DA PORTA

O LOBO ATRÁS DA PORTA (O lobo atrás da porta, 2013, Gullane Filmes, 101min) Direção e roteiro: Fernando Coimbra. Fotografia: Lula Carvalho. Montagem: Karen Akerman. Figurino: Valeria Stefani. Produção: Caio Gullane, Fabiano Gullane, Débora Ivanov, Gabriel Lacerda. Elenco: Leandra Leal, Milhem Cortaz, Fabíula Nascimento, Juliano Cazarré, Thalita Carauta. Estreia: 11/9/13 (Festival de Toronto)

Já sem a aura de preconceito que o prejudicava em termos de bilheteria, o cinema nacional estabilizou-se no mercado com produções que encontraram um diálogo com a plateia, seja através de filmes com o viés realista de "Cidade de Deus" e "Tropa de elite" - que também foram merecidamente incensados pela crítica mundial - ou de comédias rasas e superficiais, como "Se eu fosse você" e "De pernas para o ar" - cópias mal-ajambradas de sessões da tarde hollywoodianas. No meio desse confronto entre gêneros já estabelecidos dentro de uma indústria ainda incipiente, nada como uma obra que ouse fugir do já testado e aprovado. Apostando no suspense e fugindo do previsível, o cineasta e roteirista Fernando Coimbra surpreende a plateia com o denso e aterrador "O lobo atrás da porta", que bebe na fonte de filmes consagrados como "Atração fatal" e na história real da famosa Fera da Penha - que virou manchete de jornal nos anos 70 - para construir um dos mais marcantes produtos do cinema brasileiro dos últimos anos.

Quem comanda o show é Leandra Leal, uma das atrizes mais competentes de sua geração, que dá vida à complexa Rosa, uma jovem aparentemente normal que entra em desespero quando percebe que está perdendo o amor de Bernardo (Milhem Cortaz), o homem casado com quem tem um avassalador romance. Com medo de ser abandonada, ela começa uma insuspeita amizade com a esposa dele, a desconfiada Sylvia (Fabíula Nascimento) - até que o desaparecimento da filha pequena do casal embaralha todas as cartas do jogo e ilumina uma relação composta de amor, desejo e uma ponta de humilhação que acaba por levar a todos a um caminho sem volta em direção à ruína. Construindo sua narrativa de forma a parecer um quebra-cabeças, com as peças se encaixando aos poucos até o angustiante desfecho, Coimbra fez por merecer os prêmios do Grand Prix do Cinema Nacional, de onde "O lobo" saiu reconhecido em sete categorias - filme, direção, atriz, roteiro, atriz coadjuvante (Thalita Carauta), fotografia e montagem - e, de quebra, mostrou ao público que nem só de produções puramente comerciais ou experimentais vive o cinema nacional.


Sem medo de ir fundo na construção do suspense que cerca o destino de seus protagonistas - e contando com a ajuda fundamental de um elenco escolhido a dedo que dá extrema credibilidade à cada cena - Fernando Coimbra se recusa a apontar vilões ou defender quaisquer atitudes de seus personagens. Evitando julgamentos morais ou sentimentalismos desnecessários, o cineasta acompanha a dolorosa busca de Sylvia e Bernardo por sua filha com uma câmera discreta e silenciosa, testemunha tanto dos arroubos sensuais entre Bernardo e Rosa quanto dos desvãos de sua história - ações impensadas que resultam em reações das mais angustiantes já retratadas pelo cinema brasileiro. Sem enfatizar desnecessariamente o suspense em uma trama já banhada de tensão desde as primeiras cenas, Coimbra faz uso inteligente da edição, prendendo a atenção do público até seus momentos decisivos - e ao contrário do que se poderia esperar de um filme com tal grau de claustrofobia emocional, ele faz questão de mostrar constantemente seus personagens em espaços abertos e ensolarados (paradoxalmente, são as cenas românticas que se passam em ambientes fechados e escuros, uma metáfora adequada aos sentimentos dúbios da protagonista). A fotografia de Lula Carvalho acerta em não chamar mais a atenção do que a história, e o elenco coadjuvante é um espetáculo à parte.

Ator de talento pouco explorado na televisão - onde frequentemente é relegado à alívio cômico - Juliano Cazarré vive um delegado que tenta colocar uma ordem nas contradições que encontra no caso, mas é Thalita Carauta quem mais surpreende: na pele de uma "amiga" de Rosa que tem papel fundamental no desenrolar da trama, a atriz deixa de lado o estigma de comediante para entregar um desempenho impecável e assustador, capaz de fazer qualquer um olhar com desconfiança redobrada os silêncios e a tranquilidade dos subúrbios e dos bairros mais familiares de sua cidade. Ao contar uma história simples, com personagens críveis e humanos, Fernando Coimbra conseguiu um feito e tanto: incutir medo na audiência sem apelar para monstros ou assassinos seriais. Seu filme parece dizer, a cada momento, que o perigo pode estar em qualquer esquina. Sensacional!

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