MANDELA:
O CAMINHO PARA A LIBERDADE (Mandela: Long walk to freedom, 2013,
Videovision Entertainment/Distant Horizon/Film Afrika Worldwide, 141min)
Direção: Justin Chadwick. Roteiro: William Nicholson, autobiografia de
Nelson Mandela. Fotografia: Lol Crawley. Montagem: Rick Russell. Música:
Alex Heffes. Figurino: Diana Cilliers, Ruy Filipe. Direção de
arte/cenários: Johnny Breedt/Fred Du Preez, Melinda Launspach, Mandla
Mathenjwa. Produção executiva: Basil Ford, François Ivernel, Cameron
McCracken, Philswie Mthethwa, Geoffrey Ohena, Sudhir Pragjee, Sanjeev
Singh. Produção: Ananth Singh. Elenco: Idris Elba, Naomie Harris, Tony
Kgoroge, Riaad Moosa, Zolani Mkiva, Simo Mogwaza. Estreia: 07/9/13
(Festival de Toronto)
Indicado ao Oscar de Melhor Canção ("Ordinary love")
Vencedor do Golden Globe de Melhor Canção ("Ordinary love")
Um
dos maiores desafios quando se decide contar a história de uma vida em
um filme - em especial uma vida longa e repleta de acontecimentos de
suma importância - é conseguir condensá-la em palatáveis duas horas de
duração (ou em alguns casos, um pouco mais) sem soar superficial ou
deixar de lado acontecimentos vitais. Cineastas experientes já caíram na
armadilha (Richard Attenborough acertou em "Gandhi" e falhou em
"Chaplin", por exemplo) e o relativamente novato Justin Chadwick por
pouco não se afundou ainda mais com o esperado "Mandela: o caminho para a
liberdade". Com apenas dois filmes no currículo - o mais famoso deles
sendo "A outra", adaptação do romance de Philippa Gregory sobre Ana
Bolena e Henrique VIII, estrelado por Natalie Portman e Eric Bana -
Chadwick arriscou-se na condução da história de uma das personalidades
fundamentais do século XX e sobreviveu para contar a história. Mesmo com
os defeitos que se poderiam esperar de uma produção tão ambiciosa,
"Mandela: o caminho para a liberdade" consegue o feito nada desprezível
de encapsular em pouco menos de duas horas e meia de projeção uma
história repleta de sofrimento, esperança e violência sem deixar de lado
o essencial: o retrato de seu protagonista como ser humano, passível de
erros e acertos como qualquer um.
Com o roteiro de
William Nicholson - Oscar por "Os infiltrados" - baseado na
autobiografia do próprio Mandela, o filme de Chadwick não se contenta em
mostrar ao público apenas as lutas do protagonista contra o apartheid e
seu despertar político junto ao CNA (Congresso Nacional Africano) que
acabou por levá-lo à presidência. Sem medo de querer abraçar o mundo com
as pernas, Nicholson começa sua história na infância de Nelson, em uma
tribo afastada da capital do país, e acompanha sua trajetória até
as eleições de 1994, quando ele se torna o primeiro presidente negro da
África do Sul. Quase didaticamente, o filme expõe à plateia as batalhas
raciais que fizeram da região um dos lugares mais socialmente injustos
do mundo enquanto segue a vida pessoal de seu protagonista, com seus
casamentos falidos e até mesmo sua incapacidade de lidar com a
desigualdade. Sem medo de denegrir uma imagem quase santificada pela
população, o filme de Chadwick mostra um jovem Nelson Mandela capaz de
agredir a primeira esposa e até seu lado mulherengo dá as caras -
felizmente, porém, esse fator "TV Fama" não assume o foco por muito
tempo, já que suas conquistas como homem público é que são o ponto
central da produção, que decepcionou a muitos quando não alcançou todas
as indicações ao Oscar que se esperava (apenas a bela canção-tema, da
banda irlandesa U2, chegou à festa da Academia, depois de ter ganho um
Golden Globe).
Interpretado
com um misto de fúria e delicadeza por Idris Elba - ignorado pelo Oscar
mas lembrado pelo Golden Globe com uma indicação à estatueta - o Nelson
Mandela do filme de Chadwick tem pouco do mesmo personagem sob a visão
de Morgan Freeman e Clint Eastwood no premiado "Invictus", de 2009. Sua
transformação de advogado determinado a lutar pela igualdade racial
através da luta física em um homem mais maduro e ciente de que apenas o
diálogo pode mudar o estado das coisas é mostrada com delicadeza por um
trabalho admirável de modulação de voz, de olhares mais complacentes e
uma edição eficiente, que equilibra seu período na cadeia com as
mudanças sociais e políticas que ocorrem em seu país e na vida de sua
família (em especial na de sua segunda esposa, Winnie, em excelente
interpretação de Naomie Harris). A opção em contar a história de Mandela
juntamente com a da África do Sul de seu tempo é acertada, por permitir
à audiência que entenda com todos os detalhes o tamanho de sua
importância para o país e o mundo. Pode parecer uma ambição exagerada,
mas Chadwick, mesmo com pouca experiência, consegue transmitir em vários
momentos a angústia e a dor de uma nação dividida pela cor. Talvez um
cineasta mais ousado pudesse injetar mais potência às cenas, mas seria
injusto não reconhecer as muitas qualidades de sua obra.
"Mandela:
o caminho para a liberdade" não é o filme que poderia ser. Tem alguns
momentos francamente dispensáveis e por vezes carece de um foco mais
definido. Porém, é interpretado com vigor e paixão, conta sua história
sem apelar para o sentimentalismo e, melhor ainda, serve como um
lembrete (mais um) sobre a força do amor em detrimento do ódio. Em uma
época onde a tolerância precisa ser cada vez mais desenvolvida, é um
filme obrigatório, sobre uma personalidade indispensável. Não é uma obra
perfeita, mas é suficientemente bom para lembrar a todos sobre toda
essa tragédia que ainda hoje machuca o mundo.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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