MATO
SEM CACHORRO (Mato sem cachorro, 2013, Lupa Filmes/Mixer/Globo Filmes,
101min) Direção: Pedro Amorim. Roteiro: André Pereira, argumento de
Vitor Leite, colaboração de Pedro Amorim, Malu Miranda. Fotografia:
Gustavo Habda. Montagem: Pedro Amorim, Natara Ney. Música: Rica Amabis.
Figurino: Marcelo Pies. Direção de arte/cenários: Tiago Marques
Teixeira/Odair Zani. Produção executiva: Eliane Ferreira, Lili Nogueira.
Produção: Malu Miranda. Elenco: Bruno Gagliasso, Leandra Leal, Danilo
Gentili, Gabriela Duarte, Angela Leal, Rafinha Bastos, Flávio
Migliaccio, Joaquim Lopes, Enrique Diaz, Sandy, Sidney Magal, Fausto
Fawcett. Estreia: 04/10/13
No cinema nacional, a
menção ao gênero comédia romântica imediatamente remete a tramas que
giram em torno de mulheres desesperadas atrás de um casamento ou
da independência sexual. Em termos de bilheteria dá certo, como mostram
os números de filmes como "De pernas para o ar" e "Os homens são de
Marte... e é pra lá que eu vou". Paradoxalmente, porém, falta nessas
produções tanto o ponto de vista masculino (os homens são, via de regra,
tratados como coadjuvantes de luxo) quanto o romantismo (qualquer
momento em que ele poderia aparecer é normalmente substituído por
piadas, muitas vezes sem graça). São essas lacunas que "Mato sem
cachorro" tenta preencher. Escrito e dirigido por Pedro Amorim, o filme
estrelado por Bruno Gagliasso e Leandra Leal consegue a proeza de fazer a
plateia rir sem esquecer seu principal objetivo: contar uma história de
amor. Equilibrando momentos de delicadeza com outros de humor quase
escatológico, seu roteiro conquista o público justamente pela ousadia de
misturar elementos tão díspares em um gênero tão perigosamente sujeito a
ficar engessado a receitas insossas. De personalidade própria e humor
particular, "Mato sem cachorro" é um achado dentro do cinema comercial
brasileiro.
A trama em si é simples e direta como
convém: o produtor musical Deco (um Bruno Gagliasso leve e distante dos
personagens densos a que o público está acostumado) e a diretora de
rádio Zoé (Leandra Leal a quilômetros de distância da assustadora Rosa
de "O lobo atrás da porta") se apaixonam perdidamente no dia em que
conhecem Guto, um adorável cãozinho que sofre de uma condição rara
chamada narcolepsia canina - que o faz desmaiar a cada estado de maior
excitação. Os três passam a formar uma família feliz até que, um ano e
meio depois, o romance acaba e deixa o rapaz na pior, morando com o
primo Leléo (Danilo Gentili, dono de algumas das melhores piadas mas por
vezes um tanto exagerado no humor rasteiro) e incapaz de seguir a vida.
Ao descobrir que Zoé está de namorado novo - o dono de uma estética
canina chamado Fernando (Enrique Diaz, sensacional) - Deco resolve tomar
o que é seu e sequestra Guto. As consequências de tal gesto - que o
obrigará inclusive a produzir a banda do irmão de Zoé, um achado musical
responsável por alguns dos melhores momentos do filme - tanto podem
aproximá-lo da mulher que ama quanto afastá-los de vez. E, no meio do
caminho, Amorim aproveita para desconstruir algumas imagens quase
intocáveis do mundo artístico nacional.
Da
cantora Sandy fazendo o papel dela mesma - e brigando com um policial
durante um teste de bafômetro - até Gabriela Duarte - famosa por papéis
românticos e aqui encarando uma desbocada pouco afeita a sutilezas -
"Mato sem cachorro" faz desfilar na tela rostos conhecidos do grande
público em aparições rápidas e eficientes em despertar o riso ou a
surpresa. Angela Leal (mãe de Leandra na vida real) interpreta a mãe de
Zoé, Rafinha Bastos surge em cena como um médico veterinário pouco
paciente, Marcelo Tas vive os dois diretores gêmeos da rádio onde
trabalha a protagonista e até mesmo Elke Maravilha dá as caras, no papel
sem falas da senhora idosa que empresta o prédio para os ensaios da
banda produzida por Deco - despida do glamour e dos excessos que
marcaram sua carreira, Elke está irreconhecível (e é um atrativo a mais
para um filme que ainda conta com Sidney Magal e Fausto Fawcett como
eles mesmos). Não bastasse tudo isso, o trabalho de Amorim é uma comédia
realmente engraçada, um romance que funciona e tem uma trilha sonora
deliciosa.
Misturando Sidney Magal, Waldick Soriano,
Radiohead e Sandy & Junior, Wando, Joan Jett e John Lennon no
mesmo balaio, "Mato sem cachorro" assume sem medo sua veia pop, buscando
uma aproximação direta com o público através de seus ícones e
referências. Algumas vezes escorrega no excesso de palavrões
desnecessários e nem sempre explora a contento algumas subtramas que
poderiam ser interessantes (caso da radialista interpretada por Letícia
Isnard e o medo que tem dos ouvintes mais agressivos), mas cumpre com
louvor a promessas que faz. Além do mais, tem um atrativo extra para os
amantes de cães, que irão se esbaldar com o carisma de Guto e as
aventuras pelas quais ele obriga seus donos a passarem para encontrar um
final feliz. Um raro exemplar de cinema comercial brasileiro que não
deixa em seu final um sentimento de frustração. Vale a pena experimentar
e se divertir nem que seja para comprovar o talento imenso de seus dois
atores centrais.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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