ELA
(Her, 2013, Annapurna Pictures, 126min) Direção e roteiro: Spike Jonze.
Fotografia: Hoyte Van Hoytema. Montagem: Jeff Buchanan, Eric
Zumbrunnen. Música: Arcade Fire. Figurino: Casey Storm. Direção de
arte/cenários: K.K. Barrett/Gene Serdena. Produção executiva: Chelsea
Barnard, Natalie Farrey, Daniel Lupi. Produção: Megan Ellison, Spike
Jonze, Vincent Landay. Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy
Adams, Rooney Mara, Chris Pratt, Matt Letscher. Estreia: 12/10/13
(Festival de Nova York)
5 indicações ao Oscar:
Melhor Filme, Roteiro Original, Trilha Sonora Original, Canção Original
("The moon song"), Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Roteiro Original
Vencedor do Golden Globe de Roteiro Original
Deve ser interessante conversar com Spike Jonze. Em um carreira como
cineasta que conta com apenas quatro obras, o ex-marido de Sofia
Coppola, cujo inicio de carreira foi dirigir videoclipes de artistas
como Bjork e Fatboy Slim é, sem qualquer dúvida, uma das mais criativas
mentes da engessada Hollywood do século XXI, capaz de legar ao público
trabalhos que tem como principal característica a ousadia temática e
narrativa. Foi assim com o bizarro "Quero ser John Malkovich" - que lhe
deu, de cara, uma indicação ao Oscar de diretor - com o metalinguístico
"Adaptação" - que deu a Meryl Streep um de seus papéis mais desafiadores
- e até com o infantil "Onde vivem os monstros" - que fugiu da esfera
limitadora da faixa etária para emocionar muitos adultos. Não é de
estranhar, portanto, que seja seu nome que esteja nos créditos de "Ela",
o estranho no ninho entre os indicados ao Oscar de melhor filme de
2013.
Estranho no ninho? Sim. Em um ano em que o favoritismo estava entre o
superestimado "Gravidade" - que à parte os efeitos visuais é apenas mais
um filme comercial bem feitinho - e o socialmente relevante "12 anos de
escravidão" - que apesar das qualidades é o tipo de obra que a Academia
adora cobrir de láureas - é surpreendente que uma obra como "Ela" tenha
encontrado seu espaço. Bizarro desde seu tema - a história de amor
entre um homem e um sistema operacional de última geração criado a
partir das necessidades do proprietário - até a forma com que lida com
ele - sem apelos sentimentais mas ainda assim emocionalmente potente - o
filme de Jonze foge bastante do padrão dos tradicionais romances
produzidos em Hollywood por pelo menos mais uma razão: exigir que o
público não desligue o cérebro para acompanhar sua trama.
Em um futuro não muito distante, o introvertido Theodore (Joaquin
Phoenix), ainda machucado pelo fim de seu casamento com a bela Catherine (Rooney Mara), compra um novo
sistema operacional, que pode ser moldado de acordo com a personalidade e
as necessidades do proprietário. Batizado com o nome de Samantha, o SO
passa a lhe fazer companhia em seus momentos de solidão e,
surpreendentemente, surge entre eles um relacionamento que ultrapassa os
limites tecnológicos. Apaixonados um pelo outro, os dois precisam
aprender a lidar com a nova situação - não tanto por causa das pessoas a
seu redor, acostumadas com os avanços da informática, mas por causa das
próprias limitações físicas e emocionais da bizarra situação, bem como a
dificuldade de Theodore de conviver com seus próprios sentimentos.
Interpretado magistralmente por Joaquin Phoenix - a escolha ideal para
personagens à margem do convencional - Theodore retrata com perfeição um
geração insegura em termos sentimentais que, mesmo cercada de
tecnologia e até mesmo de pessoas de carne e osso, não consegue
libertar-se do medo da solidão e do sofrimento. Perito em escrever
cartas de amor para estranhos - sua profissão - ele é incapaz de deixar
para trás um relacionamento fracassado e apela para o que deveria ser um
porto seguro, apenas para descobrir que o amor é, definitivamente, algo
intangível e imensurável, que foge de qualquer padrão e cálculo. É
apaixonante a maneira com que Jonze consegue contar sua história sem
contar muito mais do que com o trabalho de Phoenix, a voz de Scarlett
Johansson, pouquíssimos coadjuvantes (destaque para a sempre ótima Amy
Adams) e um visual clean, que transmite a sensação de vazio que perpassa
a existência do protagonista até seu encontro com Samantha. A bela
trilha sonora - indicada ao Oscar, assim como a canção "The moon song",
delicada e comovente - completa o quadro, comentando a ação sem
interferir em excesso nos devaneios de Theodore.
Ao
mesmo tempo de uma complexidade brilhante e uma simplicidade
estontente, "Ela" talvez seja o melhor filme da carreira de Jonze. E
isso não é pouco. Merecido vencedor do Oscar de roteiro original -
delicado, engraçado, comovente e realmente original - o trabalho do
cineasta é daqueles raros projetos em que tudo está no lugar certo,
funcionando como um relógio. A fotografia sóbria, a direção de arte
caprichada que cria um universo particular sem excessos, a música suave,
o figurino bizarro e a escalação do elenco são peças fundamentais para
que o resultado final seja primoroso, uma pequena obra-prima de sua
geração.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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