6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Alexander Payne), Ator (Bruce Dern), Atriz Coadjuvante (June Squibb), Roteiro Original, Fotografia
Palma de Ouro no Festival de Cannes: Melhor Ator (Bruce Dern)
Alexander Payne é um cineasta que
nutre um carinho todo especial por aquilo que a sociedade americana – tão cega
em sua busca da perfeição – convencionou chamar de “perdedor”. Em maior ou
menor grau, a grávida drogada de “Ruth em questão” (96), a estudante obsessiva
de “Eleição” (99), o viúvo ranzinza de “As confissões e Schmidt” (02), os
amigos em uma última viagem de solteiros de “Sideways, entre umas e outras”
(05) e o pai de família que se descobre traído pela esposa em “Os descendentes”
(11) são todos personagens deslocados de alguma forma em um mundo aparentemente
hostil a qualquer tipo de fraqueza. “Nebraska”, filme com o qual Payne voltou à
disputa do Oscar na cerimônia de 2014, volta a retratar tipos semelhantes. Pela
primeira vez trabalhando com um roteiro alheio – Bob Nelson perdeu a estatueta
dourada para Spike Jonze e seu genial “Ela” – o diretor, cuja marca registrada
é o preciso equilíbrio entre o humor e a melancolia, consegue atingir o máximo
de harmonia entre esses dois elementos em um filme brilhante, que além de
emocionar e fazer rir, deu a Bruce Dern um dos melhores papéis de sua carreira
– presente que o veterano ator retribuiu com uma interpretação avassaladora.
Injustamente derrotado no Oscar por
Matthew McConaughey – por seu desempenho físico e pouco emocional em “Clube de
Compras Dallas” – Dern dá um show na pele de Woodrow T. Grant, ou simplesmente
Woody, um octogenário um tanto mau-humorado que leva uma vida pacata e sem
sobressaltos na pequena cidade de Billings, no estado de Montana, ao lado da
esposa, a atrevida Kate (June Squibb). Desorientado psicologicamente, ele
recebe pelo correio uma carta que lhe avisa do prêmio de um milhão de dólares
que ele precisa buscar em Lincoln, localizada em Nebraska. Sem dar ouvidos à
família de que tudo não passa de uma propaganda sem nenhum valor real, Woody
finca pé na ideia de viajar para resgatar sua bolada. Para não deixar o pai
sozinho, seu filho caçula, David (Will Forte) – que passa por uma crise
matrimonial e existencial – resolve acompanhá-lo, e os dois iniciam uma longa
jornada estrada afora. Antes do final do caminho, porém, eles param na casa do
irmão de Woody – pai de três filhos mal-encarados e pouco inteligentes – e
David começa a conhecer um outro lado da personalidade do pai.
Caminhando pelas ruas enfadonhas da
cidade, David não apenas percebe a mudança na forma como todos passam a tratar
Woody depois que sabem que ele “ficou milionário” como descobre fatos
desconhecidos não apenas por ele, mas também por seu irmão mais velho, Ross
(Bob Odenkirk) – coisas como o seu relacionamento com outra mulher, o desejo de
não ter tido o segundo filho e até uma certa generosidade com os amigos que não
condiz com o tipo de pessoa que tornou-se. No centro de tudo está Ed Pegram
(Stacy Keach), que insiste em cobrar uma dívida antiga – sendo que, segundo o
velho e quase senil Woody, ele é quem lhe deve uma máquina compressora de ar,
emprestada há décadas. O confronto entre esses dois seres totalmente díspares –
o jovem Woody e quem ele é diante dos filhos – é o cerne de “Nebraska”, e Payne
o trata com extrema delicadeza e altas doses de humor negro.
Sem deixar-se levar pelo patético da
premissa inicial, que poderia resultar tanto em um dramalhão choroso sobre as
limitações da terceira idade quanto em uma comédia pastelão a respeito da vida
medíocre das cidades do interior, o roteiro de Bob Nelson é um primor de
inteligência, sarcasmo, sensibilidade e clareza, que proporciona a seus atores
a chance de um brilho sutil mas incandescente. Will Forte, um ator conhecido
apenas por comédias televisivas, sustenta com firmeza um personagem que, em
mãos menos capazes, poderia servir apenas como escada para o espetacular Bruce
Dern – seu olhar cansado e desanimado reflete com exatidão uma multidão de
homens que não se encaixam no mundo de bem-sucedidos super-heróis promovido
pela sociedade norte-americana e sua tentativa de reatar os vínculos emocionais
com o pai acabam por cativar o público sem que seja necessário apelar para as cenas
de catarse tão comuns no cinema comercial hollywoodiano. June Squibb ameaça
roubar a cena sempre que aparece, vivendo com perceptível gosto todas as
nuances de sua Kate, uma aparentemente doce e compassiva dona-de-casa que
mostra sua força em uma cena sensacional, onde desafia toda a família do
marido, de olho em sua pretensa fortuna: sua indicação ao Oscar de atriz
coadjuvante foi justíssima e, não fosse o forte desempenho da vencedora Lupita
Nyong’O em “12 anos de escravidão”, sua vitória teria sido totalmente
merecedora. Mas, apesar dos coadjuvantes impecáveis, é impossível não
reconhecer que “Nebraska” é, sem dúvida, um show de Bruce Dern.
No inverno de sua carreira, Dern
tornou-se o mais velho indicado ao Oscar de melhor ator da história, e fez jus
à indicação. Mesmo na pele de um personagem não exatamente simpático ou
meramente agradável, o veterano ator, pai da atriz Laura Dern, entrega um
desempenho nunca aquém de extraordinário. Recitando os diálogos ácidos do
roteiro de Nelson ou demonstrando com sutileza os efeitos do tempo sobre a
razão de seu Woody, Bruce ganha a plateia não por ser um velhinho digno de
compaixão, mas por fazer dele um homem comum, real, dotado mais de defeitos do
que qualidades mas que, mesmo assim, merece uma nova chance de realizar seus
sonhos – mesmo que, para isso, precise envolver toda a família em sua odisseia.
Emoldurada pela deslumbrante fotografia em preto-e-branco de Phedon Papamichael
que enfatiza o tom de aridez do interior dos EUA, a narrativa de Alexander
Payne se equilibra magicamente no fio da navalha entre o riso e a lágrima, sem
nunca, porém, buscar a gargalhada fácil: seu humor discreto e seco é o reflexo
perfeito de sua emoção elegante e surpreendente. Quando os dois elementos se
encontram na mesma cena é que fica evidente, até mesmo ao mais distraído
espectador, o talento do cineasta em costurar, de forma quase invisível, uma
coesão entre roteiro, elenco e diretor. Mesmo àqueles avessos a dramas
familiares “Nebraska” é imperdível.
Simples, delicado, muito engraçado e
por vezes comovente, “Nebraska” é uma pequena obra-prima, realizada por um
cineasta que entende de gente e de emoções, coisa cada vez mais rara em uma
indústria muito mais inclinada a efeitos visuais e tiroteios do que a histórias
sobre gente como a gente.
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