BLUE
JASMINE (Blue Jasmine, 2013, Focus Features/Sony Pictures Classics,
98min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Javier Aguirresarobe.
Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Suzy Benzinger. Direção de
arte/cenários: Santo Loquasto/Kris Boxell. Produção executiva: Leroy
Schecter, Adam B. Stern. Produção: Letty Aronson, Stephen Tenenbaum,
Edward Walson. Elenco: Cate Blanchett, Sally Hawkings, Peter Sarsgaaard,
Alec Baldwin, Bobby Cannavale, Andrew Dice Clay, Louis C.K.. Estreia:
26/7/13
Indicado a 3 Oscar: Melhor Atriz (Cate Blanchett), Atriz Coadjuvante (Sally Hawkings), Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Cate Blanchett)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Cate Blanchett)
Em “Match point, ponto final” (05), Woody Allen pegou emprestada a trama
central de “Uma tragédia americana”, de Theodore Dreiser, mesclou elementos de
“Crime e castigo”, de Dostoievski, salpicou erotismo e as belas paisagens de
Londres e, com seu estilo peculiar de contar uma história, realizou um de seus
melhores trabalhos. Oito anos mais tarde, mostrou que, em suas mãos talentosas,
a receita pode sempre render grandes momentos de entretenimento. Em “Blue
Jasmine” a inspiração surgiu de “Uma rua chamada Pecado”, escrita por Tennessee
Williams e montada nos palcos pela primeira vez em 1947 – e, logicamente,
transposta para o cinema sob o comando de Elia Kazan e a ajuda inestimável da
brilhante Vivien Leigh e de um então estreante Marlon Brando, em 1951. Assim
como na peça de Williams, a protagonista é uma ex-beldade sulista decadente e
desequilibrada que tenta reerguer-se na vida à base de mentiras e
meias-verdades enquanto se hospeda na casa da irmã caçula bem menos ambiciosa.
E, assim como a Blanche Dubois de Kazan levou Leigh a seu segundo Oscar, a
Jasmine de Allen também rendeu ouro à sua intérprete. Arrebatadora no papel, a
australiana Cate Blanchett saiu da temporada 2013/2014 com todos os prêmios
possíveis e imagináveis da indústria do cinema, reafirmando o status de Woody
como um dos melhores diretores de atrizes do cinema contemporâneo. Mérito dele
ou de Blanchett, não importa: cada estatueta foi mais do que merecida.
Fazendo uso de sua elegância natural e sua aparência refinada, Blanchett
constrói uma Jasmine complexa e capaz de despertar na plateia sentimentos
contraditórios. Não é exatamente simpática – trata o namorado da irmã aos
pontapés e despreza os pretendentes que fogem de suas várias exigências
financeiras e sociais – e tampouco afável com quem a rodeia (nem mesmo os
estranhos de cuja bondade depende). Ao mesmo tempo, fica difícil não se deixar
conquistar por suas tentativas desastradas e equivocadas de reconquistar os
bons tempos de uma vida que, só ela parece não aceitar, já está morta e enterrada.
Jasmine French – cujo nome verdadeiro ela deixou para trás quando casou-se com
o milionário Hal (Alec Baldwin) – começa o filme chegando à São Francisco, onde
irá passar um tempo com a irmã, Ginger (Sally Hawkins). Atravessando uma grave
crise em todos os setores da vida – o marido matou-se na cadeia, acusado de uma
fraude milionária e ela perdeu todo o seu dinheiro e a influência social –
Jasmine arruma emprego como assistente de um dentista mas não consegue
acostumar-se com a rotina de classe média que abandonou há tanto tempo. Sua
tábua de salvação surge na figura de Dwight (Peter Sarsgaard), um homem que
pode finalmente lhe devolver o status perdido – a não ser que a própria mania
de reinvenção de Jasmine a atrapalhe.
É notória a forma com que Woody Allen comanda seus atores, deixando todos à vontade
para trabalhar como melhor lhes agradar. Para “Blue Jasmine” ele entregou o
roteiro integral somente a suas duas atrizes centrais, que puderam, então,
criar uma dinâmica das mais inventivas – e que resultou em uma química
faiscante. Em vários encontros, Cate Blanchett e Sally Hawkins (que acabou indicada
ao Oscar de coadjuvante) conceberam um passado completo para as duas irmãs e,
ainda que tais ideias nunca surjam para o conhecimento da plateia, os conflitos
serviram para que suas cenas sejam sempre dotadas de uma energia avassaladora.
Hawkins, conhecida por seu desempenho premiado em “Simplesmente feliz” (08),
faz o contraponto perfeito à angústia desesperada de Jasmine, com uma esperança
e uma alegria contagiantes, mesmo quando se deixa manipular pela irmã em seus delírios
de grandeza. No embate entre as duas excelentes atrizes, pouco espaço sobra
para os coadjuvantes masculinos, mas mesmo assim Alec Baldwin (como o encantador
mau-caráter Hal French), Peter Sarsgaard (na pele do ingênuo futuro marido de
Jasmine) e Bobby Cannavale (interpretando o apaixonado namorado de Ginger, o
abrutalhado Chilli) conseguem a façanha de destacar-se, em atuações bem acima
da média.
Um Woody Allen da melhor safra, “Blue Jasmine” também foi lembrado pela
Academia de Hollywood por seu roteiro – em que o cineasta brinca com a origem
da história sem nunca se prender aos limites da trama. Se na história de
Tenessee Williams o clima pesava, com violência sexual e neuroses no limite do
suportável, no filme de Allen a situação nunca chega a tais extremos,
preferindo cercar os personagens com um senso de humor sutil e uma aura de
modernidade. Assim como nos melhores filmes de Allen, a risada que surge em “Blue
Jasmine” tem um certo ar de melancolia e nervosismo. E como é bom ver que o
velho e bom Woody ainda consegue apertar os botões certos para conquistar tais
risadas e jogar luz no jogo de hipocrisias da sociedade americana...
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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