quinta-feira

QUEDA LIVRE

QUEDA LIVRE (Freier fall, 2013, Kurhaus Production/Sudwestrundfunk, 100min) Direção: Stephan Lacant. Roteiro: Stephan Lacant, Karsten Dahlem. Fotografia: Sten Mende. Montagem: Monika Schindler. Música: Durbeck & Dohmen. Figurino: Bettina Marx. Direção de arte/cenários: Petra Bock-Hofbauer/Bele Schneider. Produção: Christoph Holthof, Daniel Reich. Elenco: Max Riemelt, Hanno Koffler, Katharina Schuttler, Maren Kroymann, Luis Lamprecht. Estreia: 08/02/13 (Festival de Berlim)

Quando chegou aos cinemas, o germânico “Queda livre” recebeu, da imprensa em geral, a alcunha de “Brokeback Mountain alemão”. A definição, apesar de um tanto simplista não é, porém, de todo errada. Assim como a premiada produção de Ang Lee, o filme de Stephan Lacant trata de uma relação homossexual surgida dentro de um universo machista e um tanto preconceituoso, mas consegue a façanha de ter uma identidade própria e fugir (dentro do possível) da previsibilidade que a trama sugere. Não chega a ser um marco de originalidade, mas prende a atenção do público até o final e, aplausos para isso, evita o sentimentalismo e o sadismo que caracterizam muitas obras de temática semelhante.
Sem a poesia trágica de “O segredo de Brokeback Mountain” ou a leveza solar de “De repente, Califórnia” – dois extremos opostos de filmes que se arriscam a contar histórias de amor gay – a obra de Lacant prefere manter um meio-tom, sem exagerar nas doses de drama e sem apelar para o conto de fadas. Com os dois pés no realismo, o cineasta trata seus personagens menos como vítimas de seu destino e mais como senhores de suas vidas – mesmo quando as circunstâncias parecem ter mais força do que suas vontades. Falíveis como quaisquer seres humanos, os protagonistas de “Queda livre” soam reais justamente por cometerem mais erros do que acertos e por parecem tão perdidos quanto qualquer um na plateia, independente da orientação sexual. O grande acerto do roteiro de Lacant e Karsten Dahlem é situar sua trama em um núcleo específico mas jamais limitar-se a ele: a história de amor entre Marc Bergmann e Kay Engel é homossexual, mas poderia facilmente acontecer entre pessoas de sexos diferentes.




Quando o filme tem início, o jovem policial Marc Bergmann (Hanno Koffler) está em vias de ter sua vida transformada, já que acaba de mudar-se novamente para a casa dos pais para esperar o primeiro filho, fruto de seu casamento estável e harmonioso com Inge (Maren Kroymann). A paz de sua existência e as certezas de uma vida já aparentemente definida sofrem um abalo quando ele conhece Kay Engel (Max Riemelt), colega de profissão que o ajuda a melhorar seu preparo físico nas corridas. Os encontros entre eles – hesitantes mas constantes – sofrem uma reviravolta quando Engel começa a dar em cima do amigo, que a princípio rejeita furiosamente as investidas. Com o tempo, porém, Bergmann baixa a guarda e eles iniciam um romance apaixonado (e obviamente secreto). Engel sonha em começar uma vida a dois com Bergmann, mas este sequer cogita a hipótese de abandonar a mulher e o filho (a esta altura já nascido). Quando a corporação descobre a condição de Engel e o preconceito começa a ditar ordens, a situação fica insustentável, e o calado Bergmann se vê obrigado a decidir entre a paz doméstica e o amor – o que pode lhe prejudicar também profissionalmente.
Bem mais ousado do que seus congêneres hollywoodianos – as cenas de sexo são até discretas, mas os atores não tem pudor em ficarem nus diante das câmeras – “Queda livre” tem a seu favor uma direção segura e um roteiro com foco bem definido, com poucos personagens secundários. Concentrando sua energia basicamente em seus dois protagonistas, Lacant torna seu relacionamento um misto de claustrofobia e paraíso artificial – fato sublinhado pelas cenas que mostram um lado bem menos rígido de Bergmann quando acompanhado pelo liberal e decidido Engel. Interpretado pelo carismático Max Riemelt – que depois se tornaria internacionalmente conhecido pela série de TV “Sense 8” – Kay Engel é o catalisador de mudanças irremediáveis na vida de Bergmann, e o ator dá conta do recado sem dificuldades: é difícil não torcer por ele mesmo quando se sabe que sua felicidade está atrelada ao sacrifício de uma família aparentemente bem-estruturada. Aliás, um dos méritos do roteiro é exatamente não delinear mocinhos e bandidos, já que todos estão buscando a mesma coisa: a felicidade.
Mesmo que não ofereça grandes novidades em sua narrativa, “Queda livre” tem o mérito de contar sua história sem agredir a inteligência e os sentimentos do espectador. A fluidez do roteiro, o bom gosto das cenas de sexo e o compromisso com a realidade – sem que para isso seja preciso excesso de nenhum tipo – são suas grandes qualidades. Levado em tom menor, é um filme que fala baixo ao ouvido do espectador em uma época em que tem-se a impressão de que é imprescindível gritar para melhor ser escutado. Um presente para quem gosta de filmes sobre pessoas e não sobre efeitos especiais.

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