Quando chegou aos cinemas, o germânico “Queda livre” recebeu, da imprensa em geral, a alcunha de “Brokeback Mountain alemão”. A definição, apesar de um tanto simplista não é, porém, de todo errada. Assim como a premiada produção de Ang Lee, o filme de Stephan Lacant trata de uma relação homossexual surgida dentro de um universo machista e um tanto preconceituoso, mas consegue a façanha de ter uma identidade própria e fugir (dentro do possível) da previsibilidade que a trama sugere. Não chega a ser um marco de originalidade, mas prende a atenção do público até o final e, aplausos para isso, evita o sentimentalismo e o sadismo que caracterizam muitas obras de temática semelhante.
Sem a poesia trágica de “O segredo
de Brokeback Mountain” ou a leveza solar de “De repente, Califórnia” – dois
extremos opostos de filmes que se arriscam a contar histórias de amor gay – a
obra de Lacant prefere manter um meio-tom, sem exagerar nas doses de drama e
sem apelar para o conto de fadas. Com os dois pés no realismo, o cineasta trata
seus personagens menos como vítimas de seu destino e mais como senhores de suas
vidas – mesmo quando as circunstâncias parecem ter mais força do que suas
vontades. Falíveis como quaisquer seres humanos, os protagonistas de “Queda
livre” soam reais justamente por cometerem mais erros do que acertos e por
parecem tão perdidos quanto qualquer um na plateia, independente da orientação
sexual. O grande acerto do roteiro de Lacant e Karsten Dahlem é situar sua
trama em um núcleo específico mas jamais limitar-se a ele: a história de amor
entre Marc Bergmann e Kay Engel é homossexual, mas poderia facilmente acontecer
entre pessoas de sexos diferentes.
Quando o filme tem início, o jovem
policial Marc Bergmann (Hanno Koffler) está em vias de ter sua vida
transformada, já que acaba de mudar-se novamente para a casa dos pais para
esperar o primeiro filho, fruto de seu casamento estável e harmonioso com Inge
(Maren Kroymann). A paz de sua existência e as certezas de uma vida já
aparentemente definida sofrem um abalo quando ele conhece Kay Engel (Max
Riemelt), colega de profissão que o ajuda a melhorar seu preparo físico nas
corridas. Os encontros entre eles – hesitantes mas constantes – sofrem uma
reviravolta quando Engel começa a dar em cima do amigo, que a princípio rejeita
furiosamente as investidas. Com o tempo, porém, Bergmann baixa a guarda e eles
iniciam um romance apaixonado (e obviamente secreto). Engel sonha em começar
uma vida a dois com Bergmann, mas este sequer cogita a hipótese de abandonar a
mulher e o filho (a esta altura já nascido). Quando a corporação descobre a
condição de Engel e o preconceito começa a ditar ordens, a situação fica insustentável,
e o calado Bergmann se vê obrigado a decidir entre a paz doméstica e o amor – o
que pode lhe prejudicar também profissionalmente.
Bem mais ousado do que seus
congêneres hollywoodianos – as cenas de sexo são até discretas, mas os atores
não tem pudor em ficarem nus diante das câmeras – “Queda livre” tem a seu favor
uma direção segura e um roteiro com foco bem definido, com poucos personagens
secundários. Concentrando sua energia basicamente em seus dois protagonistas,
Lacant torna seu relacionamento um misto de claustrofobia e paraíso artificial
– fato sublinhado pelas cenas que mostram um lado bem menos rígido de Bergmann
quando acompanhado pelo liberal e decidido Engel. Interpretado pelo carismático
Max Riemelt – que depois se tornaria internacionalmente conhecido pela série de
TV “Sense 8” – Kay Engel é o catalisador de mudanças irremediáveis na vida de
Bergmann, e o ator dá conta do recado sem dificuldades: é difícil não torcer
por ele mesmo quando se sabe que sua felicidade está atrelada ao sacrifício de
uma família aparentemente bem-estruturada. Aliás, um dos méritos do roteiro é
exatamente não delinear mocinhos e bandidos, já que todos estão buscando a
mesma coisa: a felicidade.
Mesmo que não ofereça grandes
novidades em sua narrativa, “Queda livre” tem o mérito de contar sua história
sem agredir a inteligência e os sentimentos do espectador. A fluidez do
roteiro, o bom gosto das cenas de sexo e o compromisso com a realidade – sem
que para isso seja preciso excesso de nenhum tipo – são suas grandes
qualidades. Levado em tom menor, é um filme que fala baixo ao ouvido do
espectador em uma época em que tem-se a impressão de que é imprescindível
gritar para melhor ser escutado. Um presente para quem gosta de filmes sobre pessoas
e não sobre efeitos especiais.
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