De um sujeito que assinou filmes
como o cínico “Obrigado por fumar” (06), o sarcástico “Juno” (07), o cruel
“Amor sem escalas” (09) e o ácido “Jovens adultos” (11) pode-se esperar
qualquer coisa menos que escolha dirigir uma história de amor daquelas bem
recheadas de clichês românticos e personagens heroicos, certo? Errado. Jason
Reitman, talvez justamente para não ficar marcado por filmes que não retratam
os seres humanos exatamente com simpatia resolveu fazer de seu quinto
longa-metragem a adaptação do livro “Refém da paixão”, de Joyce Maynard, uma
história de amor bem recheada de clichês românticos e personagens heroicos. A
boa notícia? Ele consegue utilizar todos os lugares-comuns da trama a seu
favor, construindo um romance delicado, simples e extremamente eficiente, ainda
que nunca brilhante ou genial. Contando com atuações acima da média da sua
dupla central – o que não é surpresa quando ela é formada por Kate Winslet e
Josh Brolin – e revelando o ótimo Gattlin Griffith em um papel crucial, Reitman
acerta mais uma vez e conquista o público com sobriedade e sensibilidade.
Situando sua trama no feriado do Dia
do Trabalho de 1987 – um dos mais quentes da história – e em um cenário pouco
explorado pelo cinemão americano – New Hampshire – Reitman, também autor da
adaptação do romance de Maynard, apresenta um conto que apresenta, sem
tentativas de soar original ou surpreendente, temas como solidão, depressão,
perda da inocência e o despertar do sexo. São elementos já utilizados à
exaustão por Hollywood e filmes de todas as nacionalidades, mas com um certo
frescor e uma seriedade que torna impossível ao espectador resistir a eles. Justamente
por adotar uma narrativa clássica apropriada à história que quer contar, o
filho do também diretor Ivan Reitman conduz com simplicidade e sem sobressaltos
um filme que em outras mãos menos talentosas certamente esbarraria na monotonia
ou na previsibilidade. “Refém da paixão” é escorado em um ritmo que reflete com
precisão a temperatura extrema que circunda os personagens – indolente, sexy e
por vezes claustrofóbico.
Vivida por uma bela e intensa Kate
Winslet, a protagonista do filme é Adele, uma dona-de-casa oprimida por uma
depressão crônica tornada ainda pior com o abandono do marido, que a trocou
pela secretária. Vivendo em companhia do filho único, o pré-adolescente Henry
(Gattlin Griffith) e quase sem sair de casa, Adele resolve romper sua inércia
justamente no dia em que Frank Chambers (Josh Brolin), um homem condenado a 18
anos de prisão por assassinato, foge do Hospital onde foi internado para tratar
de uma apendicite. Na loja de departamentos onde vai comprar roupas novas para
o início das aulas do filho, Adele é obrigada por Frank – sangrando mas
nitidamente ameaçador – a levá-lo para sua casa e escondê-lo até a noite,
quando então poderá continuar sua fuga. A princípio temerosa – por motivos mais
do que óbvios – Adele aos poucos percebe, assim como Henry, que Frank não tem
intenções criminosas em relação a eles e surge, então, uma relação amistosa.
Assumindo o papel de homem da casa – consertando o carro, a calha, os degraus –
e até enfrentando a cozinha – com uma já antológica cena em que os três, como
uma família, assam uma torta de pêssegos – Frank acaba por encantar Adele, uma
mulher solitária que vê nele uma figura masculina diferente do marido pouco
confiável. Henry não demora a notar o interesse da mãe em Frank – e vice-versa
– e luta internamente com a felicidade de ver a mãe reagindo ao mundo depois de
muito tempo e o medo em relação ao destino de Frank, afinal de contas um
foragido da Justiça.
Logicamente, como se trata de uma
história de amor, o passado de Frank também é revolvido pelo roteiro, e conta
com uma saudável cota de decepções e injustiças. Com flashbacks rápidos
entremeados à trama central – e que apresenta Tom Lipinski, um ator idêntico a
Josh Brolin fazendo seu papel na juventude – Reitman mostra à plateia que não
há motivo para medo: Frank é um homem bom, e é permitido torcer para um final
feliz entre ele e Adele. Esse tom de melodrama do filme, ao contrário do que se
poderia esperar, funciona à perfeição. Como um bom contador de histórias, o cineasta
quer que o público se afeiçoe a seus personagens e o faz com maestria. Fica
difícil à plateia não se deixar envolver pelo romance entre Frank e Adele,
especialmente porque a química entre Josh Brolin e Kate Winslet transborda pela
tela.
Sem que seja preciso apelar para uma cena sequer de sexo, Jason Reitman inunda todas as sequências entre Winslet e Brolin com uma sensualidade à beira do inflamável. São olhares expressivos, toques delicados de mãos, sessões de cozinha e aulas de dança que orquestram a relação perigosa/apaixonada entre os personagens, e tal condição não escapa aos olhos do introvertido Henry, que justamente nesse momento está passando pela fatídica fase de despertar para o sexo oposto – que surge na figura de uma nova moradora da cidade, rebelde e ousada. O contraponto entre a mãe (redescobrindo o prazer e a paixão) e o filho (caminhando para o primeiro amor) surge como uma interessante subtrama, aprofundando os laços entre os dois e confirmando o talento do jovem Griffith em transmitir muito sem precisar falar quase nada. Intercaladas com alguns momentos de suspense bem dosados – o roteiro nunca deixa de lembrar que Frank é um criminoso – as cenas românticas de “Refém da paixão” buscam o familiar, a normalidade e a paz mesmo quando retrata uma situação muito longe da corriqueira. A família postiça de Henry – com um pai bem mais digno do título do que o verdadeiro – lhe oferece mais amor e exemplos do que a original: um contraste inteligente que eleva o filme acima da média do gênero.
Depois de sua metade, quando Adele e
Frank resolvem fugir juntos, “Refém da paixão” perde um pouco o ritmo – que
recupera no terço final, onde o suspense assume a protagonização em detrimento
do romance. Mesmo assim fica difícil não perceber o cuidado da direção em
manter uma coerência narrativa e no desenho dos personagens, construídos de
forma a jamais trair suas concepções originais. Por mais que possa parecer a
princípio, o amor entre a dupla central convence – como o encontro de duas almas
torturadas finalmente vendo diante de si a possibilidade de carinho e
compreensão. Essa verdade que transparece graças às atuações calorosas de Kate
Winslet e Josh Brolin consegue até mesmo deixar perdoável o final um tanto
abrupto em que Tobey Maguire assume o papel de Henry na fase adulta e serve
como ponte para o desfecho que todos esperavam. É bonito, é coerente e é
romântico até a medula. Mas funciona que é uma beleza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário