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A MOSCA

A MOSCA (The fly, 1986, SLM Productions/Brooksfilms/20th Century Fox, 96min) Direção: David Cronenberg. Roteiro: Charles Edward Pogue, David Cronenberg, conto de George Langelaan. Fotografia: Mark Irwin. Montagem: Ronald Sanders. Música: Howard Shore. Figurino: Denise Cronenberg. Direção de arte/cenários: Carol Spier/Elinor Rose Galbraith. Produção: Stuart Cornfeld. Elenco: Jeff Goldblum, Geena Davis, John Getz, Joy Boushel. Estreia: 15/8/86

Vencedor do Oscar de Maquiagem

Em 1958, uma aterrorizante ficção científica estrelada por Vincent Price, "A mosca da cabeça branca", tornou-se um dos maiores sucessos de bilheteria de seu estúdio (20th Century Fox). Quase trinta anos mais tarde, o conto de George Langelaan que a inspirou voltou a assustar - ou mais precisamente enojar - a audiência: com mais recursos de tecnologia, um cineasta inclinado a exagerar no horror visual, mais dinheiro que seu antecessor e rebatizado simplesmente como "A mosca", a reinvenção do canadense David Cronenberg da história de Langelaan novamente levou multidões aos cinemas (custou estimados 15 milhões de dólares e rendeu mais de 40 somente no mercado doméstico), rendeu uma continuação inferior e deu ao ator Jeff Goldblum o papel mais marcante de sua carreira - e que quase foi parar nas mãos de Michael Keaton - além de dar à sua então namorada Geena Davis um de seus primeiros papéis importantes.

A história de "A mosca" é bem típica dos clichês das ficções científicas paranóicas dos anos 50, mas recheada com efeitos visuais e de maquiagem extremamente eficientes (a maquiagem de Chris Walas chegou a levar o Oscar da categoria) e refogada com uma violência gráfica que trai a presença de Cronenberg por trás do projeto (como seria o filme sob o comando de Tim Burton, o primeiro diretor a ser considerado, é uma incógnita). Substituindo os sustos por sequências de nojeira explícita - característica que havia abandonado em seu filme anterior, "A hora da zona morta" (83) - o cineasta leva o espectador a uma viagem pelo pesadelo maior de qualquer cientista (tornar-se vítima involuntária do próprio trabalho) sem pausas para respirar. E poucas vezes o conceito de cientista maluco foi levado a circunstâncias tão extremas como as mostradas na trágica história do cientista maluco (e não o são todos?) Seth Brundle.


Brundle é, como todos os cientistas retratados na ficção, um ser antissocial, dedicado quase que às raias da obsessão por sua nova experiência: uma máquina de teletransporte que irá, segundo ele mesmo, revolucionar a ciência mundial. Registrando suas experiências lado a lado com a jornalista Veronica Quaife (Geena Davis) - com quem eventualmente acaba se relacionando também amorosamente - ele esbarra em algumas dificuldades técnicas, como a impossibilidade de teletransportar seres vivos (em uma de suas tentativas ele acaba virando um babuíno literalmente pelo avesso). Suas experiências, porém, começam a dar resultado e, em uma noite em que está alcoolizado e enciumado da relação de Veronica com um ex-namorado que também é seu editor, Brundle resolve testar seus experimentos nele mesmo. Sem que perceba, junto com ele na máquina de teletransporte entra uma mosca. Em seguida, depois de considerar a experiência um êxito, ele começa a perceber mudanças em seu organismo (força física avantajada, fòlego maior, exagerada necessidade de açúcar e pelos duros que crescem através de um ferimento nas costas). Quando as coisas começam a sair do controle - ele começa a perder os dentes e as unhas, por exemplo - ele investiga o registro de suas atividades no computador e descobre estarrecido que suas moléculas foram fundidas às do inseto, o que acabará por levá-lo a uma metamorfose completa.

Se até então o filme de Cronenberg apenas flertava com o horror, a partir daí não existe mais limites para sua fascinação pelo doentio. O diretor aproveita o roteiro para expor sem subterfúgios algumas das cenas mais nojentas do cinema da década de 80 (e quiçá de muito tempo depois): babuínos eviscerados, vômitos, pus, membros podres, fraturas expostas... tudo que pode servir à trama enquanto perturba a plateia é utilizado por ele que, no entanto, em momento algum deixa de lado sua preocupação em manter a coerência interna da história, principalmente em termos de personagens: mesmo quando se vê em vias de transformar-se de vez em uma mosca, Brundle ainda tem laivos de ser humano, apaixonado por Veronica e preocupado com o bebê que ela espera. Ela, por sua vez, se vê dividida entre manter a lealdade ao homem que ama mesmo quando ele não passa mais de um arremedo do que foi (e passa a ameaçá-la com mais uma de suas ideias radicais). Para isso, conta muito a química entre Jeff Goldblum e Geena Davis (um casal de verdade à época das filmagens) e o talento inquestionável do cineasta em arrancar de seus atores interpretações convincentes mesmo em situações que beiram o surreal - característica que ele ainda exploraria muito mais futuramente, em filmes bastante controversos.

"A mosca" é um grande filme de ficção científica por vários motivos. Primeiro, porque se leva a sério, coisa que muitas produções contemporâneas não fazem. Depois, porque é tecnicamente competente a ponto de ainda hoje impressionar pelos efeitos e pela maquiagem. E por fim, tem uma história forte e personagens críveis, que não soam como estereótipos mal-desenvolvidos, além de contar com bons atores defendendo seus papéis. O fracasso de sua continuação não chega a surpreender, uma vez que não tem todos esses elementos. Melhor ficar com a primeira parte e se impressionar em como se mantém atual apesar da tecnologia.

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